Silvestre obteve o desenho e apressou-se a guardá-lo; só então reparou que deixara uma pasta sobre a mesa. Na pasta havia outros estudos; Camila, porém, só chegara a ver aquele. Enquanto ele guardava cioso os frutos de suas horas vagas, a mulher de Luís Borges admirava a fronte rafaelesca de Silvestre; a timidez graciosa de seus movimentos, os olhos plenos de vida espiritual.

— Escondeu tudo? perguntou ela.

— Tudo; tenho vergonha de deixar ver coisas tão grosseiras. Quando eu fizer alguma obra melhor, não terei dúvida em mostrá-la.

— Você pensa que me contento com tão pouco? disse Camila depois de curto silêncio.

Silvestre não sabia que dizer.

— Não, continuou ela; há de mostrar-me o que tem feito; quero apreciar os progressos de seu talento; numa palavra, não quero ser público. Deixe ver!

Silvestre tinha todos os seus estudos e preparos dentro de um grande baú, encostado a uma das paredes da sala. A moça caminhara para ele; ele correu a sentar-se no baú.

— Perdoe-me, disse o rapaz, eu lhe mostrarei depois; procurarei alguma coisa que seja digna de seus olhos.

A lisonja tem uma virtude rara; Camila, ouvindo o cumprimento de Silvestre, sorriu e parou. Foi a primeira vez que Silvestre atreveu-se a olhá-la de rosto, mais de um minuto. A atitude da moça, sua beleza característica, a expressão do olhar, tudo parecia próprio a impressionar um artista. Silvestre ficou literalmente fascinado; e Camila sentiu a impressão que lhe produzia.

— Pois bem, disse ela; consinto em esperar, procure alguma coisa digna de meus olhos... Meus olhos são bonitos?

— Oh! muito!

— Criança!

E dando uma volta ao corpo, Camila saiu da sala, desceu a escada, deixando o pobre rapaz ainda enlevado daqueles poucos minutos de conversa. Ergueu-se o filho do procurador e foi contemplar o mar, da janela aberta, com a cabeça cheia de todos os seus sonhos. Uma voz lhe dizia dentro:

— É esta a Vênus; este é o modelo da tua obra imortal. Tua visão incorporou-se, fez-se mulher, falou-te e ouviu-te. Tens a deusa; podes expulsá-la de teu espírito, que é o céu pagão. Eia! ao trabalho! transmite enfim aos homens o pensamento que te faz viver.