na mão ou na cabeça, bolso cheio de cédulas, dando-as a um, trocando a de outro, enchendo as algibeiras dos votantes. A cada instante dava o sinal dos rolos; apoiava um e outro partido, quando se tratava de denunciar um fósforo e impedi-lo de votar. Nem nesse dia nem no seguinte comeu coisa que pudesse razoavelmente alimentá-lo. Todo ele era agitação, esperança, ambição, sonho. As vinte pessoas que o rodeavam freqüentemente, por uma dessas ilusões do desejo, afiguravam-se-lhe todo o corpo dos votantes; e dizendo-lhe elas que ele tinha uma maioria formidável, ele cria e sorria.

Nas primeiras horas o barbeiro esteve mole e pacato; mas o ardor de José Cândido comunicou-se-lhe; a esperança fez o resto.

— Que tal irá a coisa? perguntava-lhe às vezes José Cândido.

— Soberba! dizia invariavelmente o barbeiro. Vai como se quer!

Enfim, a agitação cessou; começou a apuração dos votos.

— Vamos ver quem tem garrafas vazias, dizia José Cândido na véspera da apuração.

Não obstante essa convicção do triunfo, José Cândido tremia às vezes; olhava um pouco desconfiado para a urna, em cujo ventre estava a glória ou a ignomínia. Se em vez de triunfo... Essa idéia negra era felizmente breve; a esperança cobria-o de suas folhas verdes; ele repousava tranqüilo sobre os futuros louros.

Não menos satisfeito andava o barbeiro; e José Cândido nutria esse fogo mais inocente que sagrado. Contudo, ele não contava com a vitória do barbeiro, em outras razões, porque lhe cortara muitos votos. Alguns aceitavam o nome de José Cândido, cabalista conhecido, mas duvidavam das opiniões do outro ou das suas aptidões eleitorais. José Cândido insistia frouxamente; e quando via o seu nome em perigo lançava ao mar o nome do aliado. Ora, o aliado, que nada disso viu nem suspeitou, nadava em júbilo e sentia em si um coro de gratidão pela notoriedade que José Cândido ia dar-lhe. Não cessava de lhe apertar as mãos, de dizer que ele era um homem superior.

— Não é verdade? acudia José Cândido ouvindo nas palavras do outro o eco de seus próprios pensamentos.

A aurora, com seus dedos de rosa, abriu as portas do céu ao sol do grande dia; mas parece que o sol, adivinhando alguma coisa do que se ia passar, não quis alumiar os sucessos desse dia e velou nobremente o rosto. Velou o rosto, enquanto o juiz de paz e mesários iam tomar seus lugares no templo, à roda da mesa, onde estava a urna que continha em seu bojo os destinos de uma existência.