Então Lúcia ocupava-se em anelar os cabelos louros da irmã e a toucá-la com tanto esmero como se a preparasse para alguma festa esplêndida; essa festa era a nossa intimidade, que Ana alegrava com o seu sorriso e inocência Depois de ter posto a irmã tão bonita, quanto ela caprichava em tornar-se simples, fazia-me admirar aquela formosura infantil e gozava do prazer que nos fazia sentir. Durante o seu trabalho, eu lia para ambas alguma página de literatura, ou falava sobre um tema agradável.

Nesse dia porém a ordem de nossa comum existência fôra perturbada. Lúcia chamou-me para ajudá-la a pentear a irmã: fez-me sentar ao lado; deu-me a segurar um após outro os lindos anéis que se enroscavam entre os seus dedos; e rindo e folgando afagava-me o rosto com a nuvem desses cabelos finos e sutis, e obrigava-me a beijar as pontas. O que ela exigiria de mim que eu não fizesse para vê-la feliz do seu desejo satisfeito ?

As duas horas costumava eu sair e fazer um passeio pelo encanamento. Esse caminho estava tão cheio da imagem de Lúcia, que deixando-a em casa um momento, parecia-me que ela me acompanhava, que eu sentia a pressão do seu braço no meu e a frescura embalsamada do seu hálito na minha face; ao mais leve estremecimento das folhas supunha ouvir o rugir da seda de seu vestido. Trazia do meu passeio alguma flor silvestre, uma borboleta, qualquer coisa, colhida em sua intenção para dizer-lhe que me lembrara dela: eram relíquias para o seu coração.

Quando cheguei, Lúcia estava só no jardim, debaixo de uma espessa e sombria latada de maracujás,