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«Jerusalém» por monsenhor Pinto de Campos

Monsenhor Pinto de Campos, durante as ferias parlamentares do 1869—70, emprehendeu uma viagem á terra santa passan­do pela cidade eterna, e realisou-a como homem a um tempo religioso o erudito. O livro que temos presente é a historia circurnstanciada dessa piedosa peregrinação. Membro do parlamento, dado ás lutas e agitações da política, consoquentemente sujeito ás suas naturaes fascinações, sobravam-lhe motivos para não emprehender a viagem que fez, so acima das cousas profanas, ainda que nobres e honradas, lhe não filiasse na alma a fé christâ e a pura saudade da patria do Evangelho. Nem era preciso que o distincto escriptor o declarasse no prefacio da obra. Um simples touriste, picado do desejo de espairecer os olhos, contentar-se-hia com as montanhas da Suissa ou a bahia de Napoles ; um sabio ou um philosopho, levado do espirito de investigaçao, ou simplesmente do conselho de Montaigne,para quem era de mister ao homem — «frotter et limer sa cervolle contre celle d'aultruy»— . guiaria talvez seus passos até ás terras da Escriptura ; mas só um christão e catholico nos traria de lá este livro.

Jerusalém ainda não exhauriu a imaginação e a piedade dos fieis. Si os dias passam, como as aguas do rio, que não voltam mais. segundo a bella expressão biblica, a verJado christã é eterna,e a doutrina que produziu a moderna civilisação. perdura e vive, com todo o sru virginal esplendor. no meio da incerteza e instabilidade dos tempos. Jerusalém, mais que nenhum outro ponto da terra, deve infundir no homem o sentimento da sua immortalidade, sentimento elevado e forte, que é o mysterioso correctivo daquella melancolia que ha de sempre inspirar o espectaculo das grandezas acabadas. Junto ao Pyreo ou ao pé de uma columna romana, a tristeza abaterá necessariamente a alma, si ella meditar na mobilidade da fortuna, nas obras passageiras da terra, nesta lei natural que é a mesma para os imperios e as flôres, com a só differnnça que vai dos dias para os seculos, que são os dias da eternidade. A. obra dos hebreus não escapou á regra commum ; pere eu, como tudo perece, nào restando mais que um pouco de ruinnas daquella Jerusalem que os seus prophetas comparavam á mulher bella e forte, e cujas desgraças tão tristemente cantou Jeremias. Mas a planta que alli brotou ha 18 séculos, é hoje arvore universal e eterna, formosa e viçosa, como nos seus primeiros dias. Quem lhe colheu o fructo apostolico, póde entristecer-se com a vista abatida de Sião, mas no fundo da alma alguma cousa lhe fallará das immortaes esperanças de além-tumulo.

Monsenhor Pinto de Campos quiz naturalmente impregnar-se deste duplo sentimento de miseria o gloria naquelle mesmo logar que viu a grandeza e a deshonra do povo hebreu. O contraste não podia ser mais vivo. Nado e creado em paiz de tão recente organisação, onde os elementos de futuro são infinitos e escassos os do passado, terra infante e sem historia, o autor da Jerusalem achou-se, com pequeno intervallo, d;ante dos restos de uma civilisição extincta. Pizou outras terras, é corto, que lhe diziam muita cousa do passado ; viu Roma catholica assentada sobre as ruinas da pagã, como emblema vivo da historia, das lutas e do final triumpho ganho pelo christianismo sobre o derrocado imperio ; e um dos mais bellos capitulos do liiro é aquelle ein que o autor compara as duas cidades, a santa e a eterna. dando a cada uma dellas o que lhe pertence, sem nada perder da veneração que um bom catholico devo ao berço como ao thr mu do christianismo ; viu o Egypto, sólo calcado de tantos heróes, e que tamanho logar occupa nos annaes israelitas e christâos : tudo isso contemplou com a austeridade de religioso e philosopho. Mas as suas ruais fundas impressões, recebeu-as diante de Jerusalem.

O livro que nos apresenta agora não é só a narração da viagem, mas tambem, e em grande parte, um repositorio de muita e boa noticia.Um dos fins do autor foi, sem duvida, pòr ao alcance das intelligencias menos abastadas do lição sagrada um quadro circurustanciado do mais lastimoso