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Divindade criada no meu corpo!
Eu amo o Amôr, amando-te, o que é mais
Que amar somente alguem ... Eis a razão
Porque as tuas palavras comprehendo;
E, ouvindo-as, fico todo em oração...
Tu és o Amôr que eu amo; e foi por isso
Que segui tua voz, para que, um dia,
N'esta eleita Montanha consagrada,
Se realise a nova Profecia...


«Sim: eu avisto o Reino d'onde falas,
E o Reino a que pertenço; vejo bem
A terra onde meus pés criam raizes;
Mas egualmente vejo para além
Da terra e para além do azul dos céus,
Onde em sonho tu vives, e este corpo
Espiritualisado é o proprio Deus...
Onde meu sêr é já minha esperança,
Meu desejo vivente que parece
Um divino phantasma de mim próprio...
Tambem ao sol, de longe, lhe aparece
O seu espectro em flôr, que é a Primavera...


«Sei que nasces de mim ... Mas que me importa,
Se não sou como tu? Que serve á flôr
O bemdito perfume que ela exhala?
E á estrela de que serve o seu fulgor?...»


E Eleonor: «Um dia, saberás
Para que existo, sim. Ha de nascer
Um sol para os teus olhos simplesmente,
Que seja luz de luar e luz de vêr...