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E em vez d'essas palavras que trespassam
Meu coração de bruma e de tristeza
E que nos meus ouvidos esvoaçam,
Como as sombrias vozes da noitinha,
Quero ouvir-te palavras amorosas
Que desçam ao mais fundo da minh'alma,
Levando em suas azas voluptuosas
Todo o perfume vivo dos teus beijos!»


E a Saudade, n'um gesto melancolico,
Disse:
 «Falar comtigo d'esse amor,
Para que? Se tu mesmo o abandonaste
N'um desejo febril de angustia e dôr?
Ah, porque foi que tu de ao pé de mim
Partiste? Nem tu sabes que alegria
Seria a nossa vida descuidada
N'aqueles verdes bosques, onde o dia
Entra com pés de sombra e de segredo!
E onde as aves em canticos celebram
O claro sol nascente e o tôrvo medo
Que dos passos humanos se alevanta...
Porque deixaste, dize, os meus abraços
E os beijos de meus labios que sabiam
A sol, a primavera, e como os sonhos
E as estrelas, á noite, renasciam?
Tu não sabes, acaso, o que perdeste?
Por certo, não! Os homens nada sabem!
Ha Deuses nas florestas, e um celeste
Mensageiro lhes fala ... De que serve?
Ah, nada, nada sabe a Creatura;

Sol que nasceu já prestes a ocultar-se!