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os poetas teem reservas de ternuras cristalisadas em beleza de sentimento. É certo que ha poetas que criam obras primas de metrificação, sendo notáveis de brilho e elegancia poética, sem contudo exalarem aquele perfume de expontânea e intensa emoção que é a verdadeira alma da poesia sentida.

Com singular acerto, me disse um sapateiro de Cintra, que bem pudera ter sido um grande filósofa:

«Ha versos sem poetas, e ha poetas sem versos.»

Mas eu creio que os versos magistrais de V. Ex.a são pensados e são sentidos.

E creio-o porque reconheço que cada ser tem em si uma dualidade. E cada dualidade se manifesta por formas variadas, num extranho choque de contrastes e de revelações que são outros tantos contrastes e surprezas fazendo de certos caracteres verdadeiros labirintos de psicologia.

Creio bem que V. Ex.a será um desses casos, talvez caracterisado pelo mesmo espírito contrariante de que sofreu e se acuson Alfredo de Musset, quando atormentava George Sand, amando-o profundamente.

O proprio Goethe, sofreu do mesmo mal. E Paulo de Mantegazza se acusa de uma tara hereditária que o impelia a provocar despeitos, sendo generoso e bom.

Por isso eu creio que em todas as injúrias morais que os gestos exteriores de V. Ex.a foram acumulando na alma de sua Esposa, havia a influência de taras que teem a sua origem na ferocidade do homem prehistórico.

Mas tambem creio que V. Ex.a seja uma alma de emotivo, porque é neto de uma santa e resignada avó que

perdoou e sofreu heroicamente[1]

 

^1  Páginas 15 do livro Doida Não!