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O divórcio estava porém infelizmente consumado. E, numa hora fatal, chegou o momento da perdição.

Os lábios sequiosos de carinhos, libam o venenoso filtro que enlouquece. E a razão vacilou entre o dever que prende ao lar e a revolta contra todos os preconceitos que leva ao abandôno da casa, da familia e da sociedade.

Existe um delito. Não o contesto nem o aplaudo.

Mas o castigo tomou um aspecto de furôr violento que reviveu os lances da tragédia helénica do Sofocles.

Tiveram muito de trágico e de odioso os casos passados depois do abandôno do palácio luxuoso onde reinava a opulencia, mas não habitava o amôr, a paz e a felicidade.

E o que deveras impressiona é a violência brutal e o rigôr deshumano dos esbirros policiais[1] exercido na éra das democracias, contra uma mulher franzina, delicada, que haveria o direito de rehabilitar da queda, atribuida a causas mórbidas e que imprudentemente se lançara nos perigos do descrédito, expondo a familia a sobressaltos e desgôstos. Mas maltratá-la com violências, expô-la a maiores humilhações e afrontas, fazê-la deitar numa taberna imunda sobre um monte de palha; levá-la à fôrça por serranias ingremes montada violentamente num cavalo sem aparêlhos próprios, coberta de neve, tiritando de trio, ouvindo grosserias e insultos que só ás rameiras é licito dirigir, é, em verdade, um desencadear de fúrias que ressurgem direitos bárbaros, fazendo da mulher objecto de total sujeição amaldiçoada pelas cóleras de Némises, a Deusa mitológica das iras fulminadoras.

Após esta punição, o pavôr do manicomio. Mas, em toda a sua verdade rude e cria, o facto explica-se e justi-

 

  1. Do capitulo do livro «Doida Não!» intitulado «Da Serra ao Tribunal» paginas 39.