Disse eu commigo que já agora seria o que Deus quisesse. Era a nossa sorte amar-nos; se assim não fora, como explicariamos a valsa e o resto? Virgilia pensava a mesma cousa. Um dia, depois de me confessar que tinha momentos de remorsos, como eu lhe dissesse que, se tinha remorsos, é porque me não tinha amor, Virgilia cingiu-me com os seus magnificos braços, murmurando:
— Amo-te, é a vontade do céu.
E esta palavra não vinha á toa; Virgilia era um pouco religiosa. Não ouvia missa aos domingos, é verdade, e creio até que só ia ás igrejas em dia de festa, e quando havia logar vago em alguma tribuna. Mas rezava todas as noites, com fervor, ou, pelo menos, com somno. Tinha medo ás trovoadas; nessas occasiões, tapava os ouvidos, e resmoneava todas as orações do catecismo. Na alcova della havia um oratoriosinho de jacarandá, obra de talha, de tres palmos de altura, com tres imagens dentro; mas não falava delle ás amigas; ao contrario, taxava de beatas as que eram só religiosas. Algum tempo desconfiei que havia nella certo vexame de crer, e que a sua religião era uma especie de camisa de flanella, preservativa e clandestina; mas evidentemente era engano meu.