tamanha desolação! Era o Quincas Borba, o gracioso menino de outro tempo, o meu companheiro de collegio, tão intelligente e abastado. O Quincas Borba! Não, impossível; não pode ser. Não podia acabar de crer que essa figura esqualida, essa barba pintada de branco, esse maltrapilho avelhentado, que toda essa ruina fosse o Quincas Borba. E era. Os olhos tinham um resto da expressão de outro tempo; e o sorriso não perdera certo ar escarninho, que lhe era peculiar. Entretanto, elle supportava com firmeza o meu espanto. No fim de algum tempo arredei os olhos; se a figura repellia, a comparação acabrunhava.

— Não é preciso contar-lhe nada, disse elle emfim; o senhor adivinha tudo. Uma vida de miserias, de attribulações e de lutas. Lembra-se das nossas festas, em que eu figurava de rei? Que trambolhão! Acabo mendigo...

E alçando a mão direita e os hombros, com um ar de indifferença, parecia resignado aos golpes da fortuna, e não sei até se contente. Talvez contente. Com certeza, impassivel. Não havia nelle a resignação christã, nem a conformidade philosophica. Parece que a miseria lhe callejàra a alma, a ponto de lhe tirar a sensação da lama. Arrastava os andrajos, como outr’ora a purpura: com certa graça indolente.

— Procure-me, disse eu, poderei arranjar-lhe alguma cousa.

Um sorriso magnifico lhe abriu os labios. — Não é o primeiro que me promette alguma cousa, replicou; e não sei se será o ultimo que não me fará nada. E