Para que negal-o? eu estava estupefacto. A clareza da exposição, a logica dos principios, o rigor das consequencias, tudo isso parecia superiormente grande, e foi-me preciso suspender a conversa por alguns minutos, em quanto digeria a philosophia nova. O Quincas Borba mal podia encobrir a satisfação do triumpho. Tinha uma aza de frango no prato, e trincava-a com philosophica serenidade. Eu fiz-lhe ainda alguma objecções, mas tão frouxas, que elle não gastou muito tempo em destruil-as.

— Para entender bem o meu systema, concluiu elle, importa não esquecer nunca o principio universal, repartido e resumido em cada homem. Olha: a guerra, que parece uma calamidade, é uma operação conveniente, como se dissessemos o estalar dos dedos de Humanitas; a fome (e elle chupava philosophicamente a aza do frango), a fome é uma prova a que Humanitas submette a propria viscera. Mas eu não quero outro documento da sublimidade do meu systema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado por um africano, supponhamos, importado de Angola. Nasceu esse africano, cresceu, foi vendido um navio o trouxe, um navio construido de madeira cortada no matto por dez ou doze homens, levado por velas, que oito ou dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras partes do apparelho nautico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado de uma multidão de esforços e lutas, executados com o unico fim de dar mate ao meu appetite.