Entre o queijo e o café, demonstrou-me o Quincas Borba que o seu systema era a destruição da dôr. A dôr, segundo o Humanitismo, é uma pura illusão. Quando a criança é ameaçada por um páu, antes mesmo de ter sido espancada, fecha os olhos e treme; essa predisposição é que constitue a base da illusão humana, herdada e transmittida. Não basta certamente a adopção do systema para acabar logo com a dôr; mas é indispensavel; o resto é a natural evolução das cousas. Uma vez que o homem se compenetre bem de que elle é o proprio Humanitas, não tem mais do que remontar o pensamento á substancia original para obstar qualquer sensação dolorosa. A evolução porém é tão profunda, que mal se lhe podem assignar alguns milhares de annos.

O Quincas Borba leu-me dahi a dias a sua grande obra. Eram quatro volumes manuscriptos, de cem paginas cada um, com letra miuda e citações latinas. O ultimo volume compunha-se de um tratado politico, fundado no Humanitismo; era talvez a parte mais enfadonha do systema, posto que concebida com um formidavel rigor de logica. Reorganisada a sociedade pelo methodo delle, nem por isso ficavam eliminadas a guerra, a insurreição, o simples murro, a facada anonyma, a miseria, a fome, as doenças; mas sendo esses suppostos flagellos verdadeiros equivocos do entendimento, porque não passariam de movimentos externos da substancia interior, destinados a não influir sobre o homem, senão como simples quebra da monotonia universal, claro estava que a sua existencia