MEMORIAS DE UM NEGRO
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O que mais me transtorna quando falo é ver alguem levantar-se. Tento evitar isso tornando o discurso interessante, accumulando factos, de modo que ninguem tenha o desejo de retirar-se. Convenci-me de que devemos citar factos, em vez de nos determos em generalidades e em coisas de moral. Dêem aos homens, sob fórma attrahente, muitos factos: elles tirarão as conclusões necessarias.

Os ouvintes que mais me agradam são os homens de negocio, intelligentes e vivos, como os de Boston, Nova York, Chicago e Buffalo. Nestes ultimos annos falei muito a esses commerciantes das cidades grandes. A hora conveniente de nos dirigir-mos a elles é o fim dum bom jantar, embora não haja tortura peor que tomarmos parte numa refeição de quatorze pratos, esperando o momento de fazer um discurso e receando fiasco.

Sempre que me sento a essas mesas, lembro-me do meu tempo de criança, da casa de madeira onde vivi, pequeno escravo, e parece-me voltar a ella, sentir a delicia de provar uma vez por semana o melado que nos vinha da casa grande. A nossa comida habitual era pão de milho e carne de porco, mas aos domingos minha mãe tinha o direito de trazer da casa grande um pouco de melado para nós. Eu desejava que todos os dias fossem domingos, ia buscar o meu prato de folha, extendia-o para receber a gulodice promettida e fechava os olhos, es-