De todos os sentidos é realmente o paladar o menos intelectualizável, o que admite menor grau de ascetismo. Mesmo a taça de bouillon servida de Maintenon em Saint-Cyr ou a taça de chá preto que conforta a rainha Vitória no terraço de Osborne é sempre um gozo material; não pode sofrer a transformação por que passa até tornar-se uma pura saudade o aroma das rosas e das violetas. O idealismo de que é suscetível a cozinha artística revela-se em não ser principalmente ao sabor que ela visa: a sua ambição seria deixar ao paladar uma sensação vaga, leve, imaterial, quase apenas de um perfume, como a do buquê no vinho, à vista, porém, a impressão durável de um quadro, de uma natureza morta pintada por um mestre. Que ingrato colorido, porém, o dos seus molhos, dos seus cremes nevados, das suas gelatinas e primeurs!

Há, entretanto, poesia real, verdadeira, no alimento são, natural, pátrio; há sentimento, tradição, culto de família, religião, no prato doméstico, na fruta ou no vinho do país. A nós, do norte do Brasil, criados em engenhos de cana, o aroma que rescende das grandes caldeiras de mel nos embriaga toda a vida com a atmosfera da infância. E assim como há poesia na cozinha de cada país, há um quid de arte na cozinha ornamental, cozinha de refinamento, que se procura elevar pelo desenho e pela forma