mais fácil do que vertê-la outra vez para o francês do qual ela procede. O que me admira é que o mesmo não aconteça a todos os que têm lido tanto em francês como eu, mais do que eu, e cuja vida intelectual tem sido assim em sua parte principal, isto é, em toda a sua função aquisitiva, francesa. E talvez que eles têm uma força de assimilação maior do que a minha – ou que eu tenho mais desenvolvida do que eles a faculdade imitativa? Não sei; mas essa suscetibilidade à influência francesa parece natural em espíritos que recebem quase tudo em francês e que têm horror à tradução; o purismo português, esse, sim, é que, até tornar-se uma segunda natureza literária, exige uma constante vigilância, a retificação exata de todo o trabalho de aquisição intelectual.

A verdade, para dizer tudo, é esta: admirando a força, o acabado, às vezes a grandeza desse estilo vernáculo em que há uma peneira de furos imperceptíveis para impedir qualquer imperfeição estranha, e em que a nossa língua modernizando-se parece conservar a tonalidade antiga, a minha fonografia cerebral adaptou-se contudo às leituras estrangeiras. Falta-me para reproduzir a sonoridade da grande prosa portuguesa o mesmo eco interior que repete e prolonga dentro de mim, em gradações curiosamente mais íntimas e profundas, à medida que se vão amortecendo, o sussurro indefinível, por exemplo, de uma página