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— «Escondei-vos, Dom Ramiro,
Que é chegado Alboazar;
Depressa, n'este aposento…
Ou ja me vereis matar.»

Mal a chave deu tres voltas,
Na manga a foi resguardar;
Mal tirou a mão da cotta,
Que o rei moiro vinha a entrar.

— «Tristes novas, minha Gaia,
Novas de muito pezar!
Primeira vez em tres annos
Que me succede este azar!..

«Toquei a minha bozina
Ás portas, antes de entrar,
E não correste ás ameias
Para me ver e saudar!

«Muito mal fizeste, amiga,
Em tam mal me costumar:
Não sei que fazes agora
Em me querer emendar…»

No coração da rainha
Batalha se estão a dar
Os mais estranhos affectos
Que nunca se hãode incontrar:

O que foi, o que é agora,
E a ambição de reinar…
O amor que tem ao moiro,
E o gôsto de se vingar…

Venceu amor e vingança:
Deviam de triumphar,
Que era em peito de mulher
Que a batalha se foi dar.

— «Novas tenho e grandes novas,
Amigo, para vos dar:
Tomae ésta chave e abride,
Vereis se são de pezar.»

Com que ância elle abriu a porta,
Vista que foi incontrar!..
Palavras que alli disseram,
Não n'as saberei contar:

Que foi um bramir de ventos,
Um bater d'aguas no mar,
Um confundir ceo e terra,
Querer-se o mundo acabar…

Vereis por fim o rei moiro
Que sentença veio a dar:
— «Perdeste a honra, christão:
Vida, quero-t'a deixar.

«De uma vez que me roubaste
Muito bem me fiz pagar:
D'esta basta-me a vergonha
Para de ti me vingar.»

Sentia-se elrei Ramiro
Do despeito devorar;
Com ar contricto e affligido
Assim lhe foi a fallar:

— «Grandes foram meus peccados,
Poderoso Alboazar;
E taes que a mercê da vida
De ti não posso acceitar:

«Eu não vim a teu castello
Senão so por me intregar,
Para receber a morte
Que tu me quizeres dar:

«Que assim me foi ordenado
Para minha alma salvar
Por um sancto confessor
A quem me fui confessar.

«E mais me disse e mandou,
E assim t'o quero rogar,
Que, pois foi pública a offensa,
Público seja o penar: