250
NOVELLAS EXTRAORDINARIAS

momento de cahir. Devia estar então a um ou dois passos do trapo de sarja, isto é, quasi que tinha dado a volta ao subterraneo. Adormecera então; quando accordei, devo ter necessariamente voltado para traz, creando assim um circuito duplo do circuito real. Na confusão de idéas em que me achava, não reparei que tinha começado o meu giro com a parede á direita e que o acabava com a parede á esquerda.

Tambem me havia enganado com relação á fórma. Sondando o meu caminho, tinha achado muitos angulos, e d'ahi deduzido a idéa d'uma grande irregularidade (tão poderoso é o effeito da escuridão total sobre quem sáe d'um lethargo ou d'um somno!) Aquelles angulos eram simplesmente produzidos por ligeiras depressões, a intervallos deseguaes. A fórma geral da prisão era um quadrado. O que eu tinha tomado por alvenaria, parecia ferro ou qualquer outro metal, em chapas enormes, cujas juntas produziam as taes depressões. Toda a superficie d'aquella construcção metallica era grosseira e toscamente pintada com os differentes emblemas medonhos e repellentes que a superstição sepulcral dos frades tinha inventado. Figuras de demonios com ares ameaçadores, esqueletos, e outras imagens ainda mais horrorosas, manchavam as paredes em toda a sua extensão. Os contornos d'essas monstruosidades distinguiam-se bem, mas as côres estavam desbotadas e gastas, como que pelo effeito d'uma atmosphera humida. Reparei então no solo, que era de pedra. No centro abría-se o poço circular, ás guelas do qual eu tinha escapado. Não havia senão aquelle na masmorra.

Vi tudo isso indistinctamente e não sem esforço, porque a minha situação physica tinha mudado singularmente durante o somno. Agora estava deitado de costas, ao comprido, sobre uma especie de tarima, muito baixa,