repugnava a calúnia. E quis ler; mas a maligna observação da criada interpôs-se... Na sua cabecita oca infiltrara rápido, como em areia, a babugem da alcoviteira. — Havia pois mulheres que... Ora! — E a inteireza da sua alma entrou em luta com a inconsistência do seu espírito. Bem fitavam os olhos a página; bem queria a vontade acorrentar o pensamento, que remoinhava, remoinhava' em crepitações de bandeirola ao vento da fantasia.
A Doroteia, observando sempre a ama, tomou um leque de penas de cima de um móvel e exclamou:
- — Que ventarola tão bonita!
- — Bonita — respondeu Elvira, muito breve, sem desfitar o livro, a afugentar.
- — Minha senhora, deram-lha?
- — Deram.
Parenteseou-se um silêncio. Fora, no largo, um malandro pregoava cautelas; da raiz do monte do Castelo vinha, amortecido na distância, um arranco de bigorna batida; longe a longe, uma carruagem passava. Passados minutos, soaram horas no escritório do barão. E logo a baronesa, que não conseguia ler e a quem o silêncio molestava:
- — Olhe lá: que horas deram?
- — Para não mentir à senhora — respondeu a criada salivando os beiços — direi que não botei sentido... Que eu, a bem dizer, não me entendo com os relógios de Lisboa. Têm dois ponteiros, não sei para quê... Lá na minha terra, o relógio da torre da igreja tem só um ponteiro, de lado a lado, e a gente governa-se com ele, e regula muito bem... Agora isto de dois é uma confusão...