alta, a figura rutilante de S. Miguel Vingador! Montara a cavalo e trotara duas horas, pelos barreiros de D. João, para ir à Gralheira confessar-se ao bom abade Sequeira... Ah! Era nos seus tempos de inocência, de exagerações piedosas e de terrores noviços! Agora tinha aberto os olhos em redor à realidade humana. Abades, cônegos, cardeais e monsenhores não pecavam sobre a palha da estrebaria, não - era em alcovas cômodas, com a ceia ao lado. E as igrejas não se aluíam, e S. Miguel Vingador não abandonava por tão pouco os confortos do Céu!

Não era isso o que o inquietava - o que o inquietava era a Dionísia, que ele ouvia na cozinha, arrumando e tossicando, sem se atrever a pedir- lhe água para a barba. Desagradava-lhe sentir aquela matrona introduzida, instalada no seu segredo. Não duvidava decerto da sua discrição, era o seu ofício; e algumas meias libras manteriam a sua fidelidade. Mas repugnava ao seu pudor de padre saber que aquela velha concubina de autoridades civis e militares, que rolara a sua massa de gordura por todas as torpezas seculares da cidade, conhecia as suas fragilidades, as concupiscências que lhe ardiam sob a batina de pároco. Preferiria que fosse o Silvério ou Natário que o tivesse visto na véspera, todo inflamado: era entre sacerdotes, ao menos!... E o que o incomodava era a idéia de ser observado por aqueles olhinhos cínicos, que não se impressionavam nem com austeridade das batinas nem com a responsabilidade dos uniformes, porque sabiam que por baixo estava igualmente a mesma miséria bestial da carne...