calou-se; e Amaro, espreitando, viu então um vulto que parecia embrulhado num xalemanta claro, parado, contemplando as janelas da Ricoça. Um furor de ciúme apossou-se dele, e ia saltar e atacar o homem - quando o viu seguir tranquilamente ao comprido da estrada, de charuto alto, trauteando:

Ouves ao longe retumbar na serra

O som do bronze que nos causa horror...

Pela voz, pelo xalemanta, pelo andar tinha reconhecido João Eduardo. Mas teve a certeza que se um homem falava de noite a Amélia ou entrava na quinta - não era decerto o escrevente. Todavia, receoso de ser descoberto, não tornou a rondar o casarão.

Era com efeito João Eduardo, que sempre que passava pela Ricoça, de dia ou de noite, parava um momento a olhar melancolicamente as paredes que ela habitava. Porque apesar de tantas desilusões, Amélia permanecera para o pobre rapaz a ela, a bem-amada, a coisa mais preciosa da terra. Nem em Ourém, nem em Alcobaça, nem pelas estalagens onde errara, nem em Lisboa, onde chegara como vem à praia uma quilha de barco naufragado, deixara um momento de a ter presente na alma e de se enternecer com as saudades dela. Durante esses dias tão amargos de Lisboa, os piores da sua vida, em que fora fiel de feitos dum cartório obscuro, perdido naquela cidade que lhe parecia ter a vastidão duma Roma ou