Tinha sobre o Breviário um pequeno crucifixo. E contemplava-o com amor, abismava-se enternecido na certeza da sua força, contra a qual era bem pouca a ciência do doutor e todas as vaidades da razão! Filosofias, idéias, glórias profanas, gerações e impérios passam: são como os suspiros efêmeros do esforço humano: só ela permanece e permanecerá, a cruz - esperança dos homens, confiança dos desesperados, amparo dos frágeis, asilo dos vencidos, força maior da humanidade: crux triumphus adversus demonios, crux oppugnatorum murus...
Então o doutor entrou, muito escarlate, vibrante daquela tremenda batalha que estava dando lá dentro à morte; vinha buscar outro frasco; mas abriu a janela, sem uma palavra, para respirar um momento uma golfada de ar fresco.
— Como vai ela? perguntou o abade.
— Mal, disse o doutor, saindo.
O abade, então, ajoelhou, balbuciou a oração de S. Fulgêncio:
— Senhor, dá-lhe primeiro a paciência, dá-lhe depois a misericórdia...
E ali ficou, com a face nas mãos, apoiado à beira da mesa.
A um rumor de passos na sala ergueu a cabeça. Era a Dionísia, que suspirava, recolhendo todos os guardanapos que encontrava nas gavetas do aparador.
— Então, senhora, então? perguntou-lhe o abade.
— Ai, senhor abade, está perdidinha... Depois das convulsões que foram de arrepiar, caiu naquele sono, que é o sono da morte...