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A entrada no domínio público de uma obra polêmica como “Mein Kempf” coloca sob os refletores um problema muito pouco usual: os malefícios decorrentes do acesso ilimitado a determinada obra. Se por um lado é certo que “quando a obra entrar em domínio público, há o perigo de que charlatões e neonazistas se apropriem desse livro infame” (no dizer de Wolfgang Heubisch, secretário de Fazenda da Bavária), por outro não há como sermos ingênuos a ponto de acreditarmos que apenas em 2015 o livro estará acessível aos alemães[1].

Ocorre que com o decurso do prazo de proteção, o livro poderá ser livremente manipulado, o que significa dizer que seu texto poderá se prestar a diversas adaptações, visando a atingir um público variado. Poderá circular livremente, ser publicado em meio físico ou digital, com ou sem comentários, da maneira mais conveniente a quem quer que seja. No entanto, mesmo hoje é possível encontrar na internet, sem qualquer dificuldade, versões do livro quer em português[2], quer em alemão[3].

No prefácio da edição em português disponível na internet, Nélson Jahr Garcia afirma que “‘Minha Luta' (Mein Kampf) foi a melhor obra já escrita contra o nazismo. Já se escreveram livros, artigos, crônicas; fizeram-se filmes, peças de teatro. Por mais que demonstrassem o totalitarismo, a crueldade e a desfaçatez daquele regime, nada conseguiu superar o original. A comunidade judaica, pelo menos alguns de seus setores, batalham por proibir a divulgação do livro. Não entendo. Quanto mais se conhecer, maior se tornará o repúdio e aversão”.

Não é essa, entretanto, a opinião do governo da Bavária. Os atuais titulares dos direitos autorais sobre o livro entendem que “impedir a publicação é um ato de respeito às vítimas do Holocausto e esperam conseguir impedir a impressão de ‘Minha Luta' mesmo depois de 2015, com base em leis contra o incitamento ao ódio”[4].

No entanto, os próprios membros do Conselho Central de Judeus da Alemanha duvidam que um tribunal alemão venha a proibir a publicação do livro após 2015, uma vez que isso poderia constituir limite à liberdade de expressão.

A questão tem ao menos um precedente, já que não é a primeira vez que o governo da Bavária tenta impedir a publicação de textos nazistas. Uma editora inglesa, Albertas Limited, publicou na Alemanha, em 2008, com fins educacionais, reproduções de

    O movimento se faz sentir em outras partes do mundo, inclusive no Brasil (disponível em http://www.conjur.com. br/2010-fev-27/suspeito-pertencer-organizacao-neonazista-nao-liminar; acesso em 02 de agosto de 2010).

  1. Algumas considerações são indispensáveis. Segundo Fabian Grossekemper, cofundador do website Shoah.de, dedicado a questões relativas ao holocausto, conseguir um exemplar de “Mein Kampf” na Alemanha não é necessariamente simples. Em primeiro lugar, porque, em território alemão, o Google filtra os resultados de busca do livro. Em segundo lugar, porque os vendedores de livros antigos cobram pequenas fortunas por seus escassos exemplares, além de o interessado ter que provar ser estudante de história, com declaração assinada pelo departamento responsável. Disponível em http://www.themarknews.com/articles/1150-hitler-in-the-public-domain. Acesso em 01 de agosto de 2010.
  2. Disponível em http://radioislam.org/historia/hitler/mkampf/por/por.htm. Acesso em 01 de agosto de 2010.
  3. Disponível em http://www.bicat.net/spiegel/MeinKampf/. Acesso em 01 de agosto de 2010.
  4. Alemanha discute publicação de “Mein Kampf ”. Caderno Prosa & Verso, jornal O Globo, 13 de fevereiro de 2010; p. 3.