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decorrer uma nova obra por motivo de transformação da obra em domínio público, o autor dessa nova obra gozará de direitos autorais sobre ela. Sendo assim, desde que imprima em sua própria utilização da obra em domínio público um mínimo de originalidade, poderá se opor a que terceiros copiem sua obra (que será uma obra derivada da obra original), mas certamente não poderá se opor a que terceiros se valham da mesma matéria-prima (a obra original em domínio público) para criar outras obras novas e minimamente originais.

Os exemplos são muitos. Desde adaptações para o cinema ou para a televisão até versões infantojuvenis de obras clássicas. Sobre as obras resultantes da transformação o adaptador exercerá seus direitos autorais desde que imprima à obra a originalidade necessária para configurar contribuição intelectual de sua  parte.

De uma aparente simplicidade, este artigo nos propõe algumas das mais complexas considerações acerca do uso de obras em domínio público. Se por um lado parece bastante singela a ideia de que a obra em domínio público pode ser utilizada sem a necessidade de se obter prévia e expressa autorização de quem quer que seja, os limites de sua utilização muitas vezes não são claros. Algumas questões que propomos são: (i) que ocorre quando a obra derivada entra em domínio público antes do original em que se baseia?; (ii) que ocorre quando obras citadas em obras já em domínio público ainda se encontram protegidas?; (iii) como tratar o direito de imagem de pessoas retratadas em obras já em domínio público?; (iv) qualquer obra derivada de uma obra em domínio público estará protegida ou há requisitos para que lhe seja conferida proteção?

Ainda que não ocorra com muita frequência, é possível que a obra derivada entre em domínio público antes do original. Imagine-se, por exemplo, que o autor de um romance o publique aos 21 anos. No mesmo ano, seu romance é adaptado para o cinema. Por conta da adaptação, a obra derivada (o filme) seguirá seu próprio curso dentro da lei de direitos autorais, que prevê um prazo de proteção específico, ou seja, 70 anos contados da publicação.

Imagine-se, por hipótese, que o autor do romance venha a falecer aos 93 anos. Nesse momento, o filme já estará em domínio público, mas não o romance, que estará protegido por até 70 anos após o falecimento do autor. O que se indaga então é:


    justificar a figura do domínio público remunerado. Se o domínio público existe exatamente para que o direito de exploração exclusiva da obra cesse, não se justifica apenas mudar o titular da exclusividade. Além disso, também contestável a natureza jurídica do pagamento pela utilização da obra. Não se podia considerar pagamento de direitos autorais exatamente porque a obra encontrava-se em domínio público. José de Oliveira Ascensão sustenta que a “remuneração não representava uma taxa, pois não era contrapartida de serviços prestados pelos órgãos públicos”. Ou seja, “só [poderia] representar um imposto, e nunca um direito de autor”. Uma das justificativas ao domínio público remunerado seria dizer que a obra sempre pertenceu ao Estado, desde a sua concepção, sendo que os direitos sobre essa propriedade estatal seriam colocados “entre parênteses” por um tempo (o tempo de exploração pelo autor e seus herdeiros), depois do qual retornariam ao Estado. Tal teoria, entretanto, não explica como o Estado teria propriedade sobre a obra criada pelo autor. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 357. Por todos esses motivos, em boa hora o instituto do domínio público remunerado foi extirpado de nosso ordenamento jurídico e por contrariar as razões sociais, econômicas e jurídicas para a constituição do domínio público em nosso ordenamento jurídico, deve ser  repelido.