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é possível se fazer uso do filme sem autorização dos herdeiros do autor? Em outras palavras: o fato de o filme estar em domínio público (mas não o livro em que se baseia) permite seu uso como o de qualquer outra obra em domínio público?

Conforme visto no capítulo anterior, nos EUA o filme “A Felicidade não se Compra” teve seus direitos autorais expirados por conta da não renovação de seu registro. No entanto, por se basear em conto ainda protegido por direitos autorais (ao menos em meados dos anos 1990), os supostos titulares de direitos sobre o filme passaram a notificar canais de exibição para impedir a veiculação do filme em razão não da obra cinematográfica, mas do conto em que era baseada. O mesmo se deu com a peça “Pygmalion”, de 1913, e o filme homônimo, de 1938, que entrou em domínio público antes da peça. Nosso entendimento é que o desfecho aos questionamentos acima deveria ser forçosamente diverso. Um filme baseado em um romance é uma outra obra, com diferentes autores e titulares de direitos e, consequentemente, com prazos de proteção distintos.

Ingressando o filme em domínio público, sua utilização não pode ser impedida pelo fato de o livro em que se baseia ainda estar dentro do prazo legal de proteção.

Em primeiro lugar, porque a LDA apresenta critérios objetivos para o ingresso da obra em domínio público: decurso do prazo. Em segundo lugar, porque são de fatos obras distintas, cujos elementos a serem protegidos se distinguem sensivelmente. Mesmo que uma tenha origem na outra, a obra derivada é uma obra própria, com características próprias e independente da anterior. Em um caso de filme baseado em livro (o mais provável de resultar em tal tipo de questionamento), o romance se faz mais presente no roteiro da obra audiovisual.

Ocorre que esta obra conta com uma infinidade de outros elementos: fotografia, trilha sonora, montagem, figurinos, direção de arte, tratamento sonoro, que a distinguem da obra original. Dizer — como foi mencionado quando citamos o caso de “A Felicidade não se Compra” — que da obra derivada somente se poderia usar os elementos constantes desta que fossem inexistentes na obra original, para não haver violação de direitos, significaria permitir o uso de praticamente todos os elementos da obra derivada, dada a absoluta distinção da natureza entre ambas. Por isso, a objeção ao uso da obra derivada não parece se justificar.

A questão pode ficar particularmente intrincada — e ainda mais corriqueira — se considerarmos que as obras musicais contam com prazos de proteção geralmente mais extensos do que os das obras audiovisuais. Se uma determinada canção protegida por direitos autorais é usada em uma obra cinematográfica, será possível usar a música contida na obra cinematográfica uma vez que esta ingresse em domínio público antes da obra musical?

Por exemplo, Vicente Celestino é autor da canção “O Ébrio”, composta em 1936. Em 1946, protagonizou o filme homônimo, dirigido por sua esposa Gilda Abreu, no qual a canção era executada. Vicente Celestino veio a falecer em 1968. O filme entrará em domínio público em 2017, mas a música terá o mesmo destino apenas em 2039. A partir de 2017, poderá a música inserida no filme ser utilizada livremente?