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comunicar sua obra ao público[1], razão pela qual, a partir do momento em que ocorre tal comunicação, esta deixa de ser inédita, não havendo mais que se falar em direito de conservar a obra inédita”[2]. Aos sucessores, por outro lado, caberia apenas cumprir com a vontade do autor, quer no sentido de publicar post mortem obra inédita (em muitos casos pela falta de tempo de o autor tê-la publicado em vida), quer no sentido de mantê-la inédita em decorrência da vontade do autor[3].

No entanto, aqui se apresenta questão igualmente interessante e controvertida: como tratar as obras inéditas de um autor que não tenham sido publicadas durante seu prazo de proteção? Imagine-se, por exemplo, escritor falecido em 1940. Suas obras entraram em domínio público no ano de 2011. Como tratar, nesse caso, as obras que o hipotético autor tenha deixado inéditas e que não tenham sido publicadas pelos herdeiros? Como o prazo de proteção já se esgotou, é possível afirmar que as obras não publicadas se encontram também em domínio público? Em caso afirmativo, como garantir acesso a essas obras por parte da sociedade se muito provavelmente o meio físico em que se encontram são de propriedade dos herdeiros?

Aqui há que se fazer uma distinção. Se os herdeiros descumpriram a vontade do autor, que expressamente solicitara a publicação de sua obra, haverá abuso do direito por parte dos terceiros. Nesse caso, nem é necessário esperar que a obra entre em domínio público para se configurar o abuso: terá este sido caracterizado muito antes. Tal é o entendimento de Rodrigo Moraes[4]. Em outros, será necessário esperar mais do que o prazo legal previsto, caso seja expressamente a vontade do autor. Por exemplo, o americano Mark Twain, criador de personagens antológicos, como Tom Sawyer e Huckleberry Finn, determinou que sua autobiografia fosse publicada apenas 100 anos após sua morte



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81 Questão interessante e não explorada pela doutrina é a de saber se os credores de determinado autor podem obrigá-lo a publicar trabalho inédito para, com os lucros auferidos, saldar dívida. De acordo com Cyrill P. Rigamonti, a questão é geralmente decidida em favor do autor. RIGAMONTI, Cyrill P. Deconstructing Moral Rights. Cit.; p. 362.

82 LEITE, Eduardo Lycurgo. Direito (Moral) de Inédito. Cit.; p. 123.

83 José de Oliveira Ascensão resolve o problema de maneira mais simples. Afirma que o herdeiro não é titular do direito de autor. “Se não é titular, por natureza não pode ele próprio divulgar. O único conteúdo imaginável do direito ao inédito seria aqui o controlo da divulgação ou não por terceiros. Vamos distinguir consoante o criador intelectual:

(i) proibiu a divulgação; (ii) impôs a divulgação. Se o autor criador intelectual proibiu a divulgação, não se vê que simultaneamente possa atribuir os direitos patrimoniais a outrem. Confundir-se-ão afinal na titularidade dos herdeiros o núcleo patrimonial e as faculdades pessoais, o que não é a hipótese que consideramos agora: limitamo-nos aos casos em que a outrem pertence o direito patrimonial, e o direito pessoal cabe ao herdeiro. Só resta a hipótese de o autor ter imposto ao titular do direito patrimonial a divulgação. Se este não divulgar, o herdeiro terá legitimidade para lhe exigir a divulgação? Nesta hipótese muito restrita, não vemos razão para negar a legitimidade ao herdeiro”. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit; p. 276.

84 “O abuso torna-se evidente quando existe contradição entre a vontade manifestada pelo autor em vida e a atuação post mortem dos seus sucessores. Por exemplo, caso estes proíbam a publicação de uma obra que o autor inequivocamente gostaria de ver publicada, tem-se que a conduta serve egoisticamente aos seus próprios interesses, revelando um comportamento antissocial, contrário ao desejo do criador falecido e, inclusive, da sociedade em geral. Essa atuação abusiva dos sucessores consistirá num entrave ao exercício do direito de acesso à cultura (CF, art. 215), o que torna plausível a intervenção do Poder Judiciário para a proteção do interesse geral da sociedade”. MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor — Repersonalizando o Direito Autoral. Cit.; p. 150.