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(ocorrida em 1910), conforme amplamente noticiado[1]. A consequência, entretanto, de espera tão longa, ao menos do ponto de vista de nosso direito, é a publicação da obra já em domínio público, sem que sobre ela possa se pleitear qualquer tipo de direito autoral.

Descumprem também os herdeiros a vontade do autor caso decidam publicar obra cujo autor tenha manifestado expressamente o desejo de manter inédita[2]. Por outro lado, se o autor silenciou quanto à sua vontade, caberá aos herdeiros decidir qual o destino da obra. Nesse passo é que a dificuldade se apresenta.

Imagine-se que os herdeiros tenham optado por não publicar a obra. Lembramos que, neste caso, “os herdeiros não exercem o direito ao inédito, como direito pessoal. Exercem o direito de explorar a obra, sendo a divulgação o caminho que terão necessariamente de percorrer para chegar a essa exploração”. Ou seja, “quando publicam ou não publicam, os herdeiros não asseguram com isso a tutela de direitos pessoais, que lhes caibam como criadores intelectuais. A sua personalidade não está implicada na divulgação. Exercem antes direitos patrimoniais. O direito pessoal está completamente ausente de tudo isto”[3].

Ocorre que decorridos 70 anos da morte do autor, a obra entra em domínio público. Nesse caso, é possível os herdeiros, titulares do direito de propriedade do meio físico em que a obra se encontra, recusarem-se a publicá-la?[4] Ou o fato de a obra ter ingressado em domínio público autoriza qualquer pessoa da sociedade a exigir acesso a ela?

A hipótese pode não ser corriqueira, mas também não é de todo descabida. O escritor J. D. Salinger, um dos mais cultuados autores norte-americanos do século XX, autor do mundialmente famoso “O Apanhador nos Campos de Centeio”, morreu em janeiro de 2010, tendo publicado apenas 4 livros. Especula-se que tenha deixado ao



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85 Ver, entre outros, http://www.independent.co.uk/arts-entertainment/books/news/after-keeping-us-waiting-for-a-century-mark-twain-will-finally-reveal-all-1980695.html;  http://www.foxnews.com/us/2010/05/24/mark-twains-dying-wish-granted-authors-autobiography-released/ , http://boingboing.net/2010/05/23/mark-twains-autobiog. html. Acesso em 22 de janeiro de 2011.

86 O caso mais célebre de desrespeito à vontade do autor que havia manifestado o desejo de manter obra inédita foi o de Max Brod, ao publicar quase todos os escritos de Franz Kafka, que publicara pouquíssimo enquanto vivo. Como bem aponta Rodrigo Moraes, se no caso de Kafka essa desobediência aos ditames do autor deu certo do ponto de vista cultural, não pode servir de desculpa para a violação (cada vez mais frequente) do desejo de conservar obras inéditas. MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor — Repersonalizando o Direito Autoral. Cit.; p. 157.

87 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; pp. 279-280. O autor prossegue: “[p]ortanto, também neste domínio, não alteramos a conclusão anterior. Os herdeiros, ou agem como continuadores do de cuius ou como titulares de direitos patrimoniais. Em caso nenhum são porém adquirentes derivados de direitos pessoais”.

88 Algumas leis tutelam a hipótese expressamente. A lei espanhola, por exemplo, determina em seu art. 40 que “si a la muerte o declaración de fallecimiento del autor, sus derechohabientes ejerciesen su derecho a la no divulgación de la obra, en condiciones que vulneren lo dispuesto en el artículo 44 de la Constitución, el Juez podrá ordenar las medidas adecuadas a petición del Estado, las Comunidades Autónomas, las Corporaciones locales, las instituciones públicas de carácter cultural o de cualquier otra persona que tenga un interés legítimo”. A Constituição Espanhola, no art. 44, estabelece que “1. Los poderes públicos promoverán y tutelarán el acceso a la cultura, a la que todos tienen derecho. 2. Los poderes públicos promoverán la ciencia y la investigación científica y técnica en beneficio del interés general”.