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É fundamental observarmos, no exemplo citado, que a conduta do Estado não pode ultrapassar a exigência de informação, quando houver risco em se transmitir um patrimônio cultural não autêntico ou parcial. Mais do que isso — como proibir a modificação do original — caracterizaria censura e violação legal.

O direito de paternidade e o direito de preservar a integridade da obra em alguns casos especiais devem ser defendidos pelo Estado por se tratar de direitos morais do autor — e porque assim a LDA prevê. No entanto, se a violação se der em razão de direitos de personalidade do autor, a competência será exclusivamente dos  herdeiros.

Nesse sentido, compete aos herdeiros — mesmo que a obra esteja em domínio público — a defesa de dois direitos: o direito de paternidade, em legitimação concorrente com o Estado, não por se tratar apenas de direito moral do autor, mas por se tratar também de direito de personalidade (direito ao nome), e o direito de se opor a modificações na obra que possam atingir o autor em sua reputação ou honra. Nesses casos, não mais por serem direitos morais, mas porque são direitos de personalidade e esta é a previsão legal do parágrafo único do art. 12 do CCB.

Ademais, o art. 24, §2º, da LDA, determina que compete ao Estado a defesa da integridade e da autoria da obra caída em domínio público. Não se faz, aqui, referência aos direitos morais do autor, à sua honra, ou a qualquer outro de seus direitos de personalidade — exceto o nome. E fez bem a lei em silenciar quanto a tal aspecto, já que sua defesa constitui prerrogativa dos sucessores do autor falecido, e não do Estado.

Uma vez estabelecido o âmbito de proteção por parte do Estado de obras ingressadas em domínio público, cabe-nos indagar a quem, especificamente, compete defender referidas obras, bem como o meio adequado para defendê-las. Conforme visto anteriormente, a LDA tem previsão bastante lacônica nesse sentido, limitando-se a afirmar que a defesa da obra em domínio público compete ao Estado. Quem, na estrutura do Estado, teria tal atribuição? E valendo-se de qual medida?

Do ponto de vista constitucional, a tarefa parece ser do Ministério Público. Instituído pela CF/88 como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbe-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis[1].


  1. 106

que a mudança vem sendo bastante contestada. Ivan Finotti (Folha de São Paulo, Ilustrada, p. 1, de 08 de janeiro de 2011) afirma que a conduta é “voltar atrás e refazer a realidade como ela deveria ter sido”. Na opinião de Finotti, “[s]e Mark Twain escrevia crioulo para se referir a escravos em ‘As Aventuras de Huckeberry Finn' (1884), e não se usa mais essa alcunha no século 21, trata-se de prova incontestável de evolução social. Ao censurar a palavra, o professor e a editora desrespeitam 126 anos de luta por direitos humanos”. Se por um lado é possível haver modificações nas obras em domínio público, entendemos que qualquer modificação que não seja uma simples revisão ortográfica, por exemplo, deve ser comunicada ao público — se por mais nada, como base na boa-fé objetiva que deve pautar todas as condutas humanas. Além disso, em tempos politicamente corretos, processos de “saneamento” de obras intelectuais podem ser cada vez mais frequentes, especialmente tendo toda a tecnologia à disposição de quem esteja disposto a tanto. Nesse cenário, as obras em domínio público são mais facilmente adulteradas, competindo ao Estado exercer forte atuação de modo a impedir que a história seja reescrita sem deixar rastros de seus verdadeiros passos.

106 CF/88, art. 127, caput.