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Não apenas dos herdeiros, é bem verdade, mas também de toda a sociedade. Entretanto, se por um lado a LDA nos leva a um beco sem saída, é possível beber-

mos em outras fontes para dirimirmos o impasse que se nos apresenta: a propriedade que permanece existindo sobre o bem físico enquanto o bem intelectual (a pintura ou a escultura, por exemplo) ingressa no domínio público.

É importante delimitarmos o problema. Ao se adquirir uma pintura, por exemplo, adquire-se não mais do que o suporte material onde a pintura se encontra; ou seja: a tela. Sobre a tela se exerce verdadeiro direito de propriedade. Como ocorre com qualquer bem físico, a tela jamais ingressará em domínio público. No entanto, a pintura em si mesma, a obra de arte, não gera ao proprietário do suporte material quaisquer direitos senão aqueles previstos na própria LDA, como o do art. 77, anteriormente mencionado. Ao mesmo tempo, sobre a obra de arte o autor exercerá seus direitos autorais pelo prazo fixado em lei, ao cabo do qual a pintura entrará no domínio público.

É nesse momento que o impasse se apresenta. O dono de uma tela que não é titular de qualquer direito sobra a pintura que a tela exibe e que se encontra em domínio público estará ou não obrigado a dar acesso ao meio físico no qual a obra intelectual se encontra? [1]

Prevê a CF/88, em seu art. 5º, XXIII, que a propriedade atenderá sua função social. De acordo com a dogmática civilística clássica, a propriedade era estudada do ponto de vista exclusivamente estrutural, ou seja, sob a ótica da estrutura dos poderes atribuídos ao proprietário[2]. A partir da concepção da função social da propriedade (que deve ser



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129 Indagamos aqui até que ponto se conjugam o ingresso no domínio público de obra de artes plásticas com o direito de inédito previsto pelo art. 24, III, da LDA. A alienação de uma pintura ou de uma escultura por parte de seu autor pode ser interpretada como publicação da obra? Entendemos que sim, diante dos termos do art. 77 da LDA, que garante ao proprietário do suporte físico o direito de expô-la. Haveria, portanto, uma renúncia ao direito de manter a obra inédita. Por isso é que o ingresso da obra em domínio público não poderia sofrer esse tipo de limitação: o argumento de que o acesso de terceiros deveria ser impedido de modo a resguardar o direito de inédito do autor. Naturalmente, sobre as obras não alienadas pelo autor em vida ou por disposição testamentária recairiam todos os princípios do direito de manter a obra inédita a que fizemos antes referência. Por outro lado, é de se notar que o art. 29, VIII, j, determina que depende de prévia e expressa autorização do autor a utilização direta ou indireta da obra por ele criada mediante exposição de obras de artes plásticas e figurativas. Luiz Fernando Gama Pellegrini [PELLEGRINI, Luiz Fernando Gama. O Direito de Autor e a Exposição de Obras de Arte Plástica. Considerações. Direitos Autorais — Estudos em Homenagem a Otávio Afonso dos Santos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 200] notou a discrepância e sobre ela escreveu, afirmando que “[a] conclusão a que se chega é de que o proprietário da obra não tem o direito de expô-la publicamente”, valendo tal regra inclusive para museus e galerias. Seu fundamento é, entre outros, que a LDA, ao contrário da lei anterior, não previu a possibilidade de expor a obra “ao público”, mas tão-somente a de expor. Dessa forma, a exposição somente se poderia dar de forma privada, o que estaria em consonância com o previsto no art. 29, VIII, j. Ousamos discordar. Entendemos que o disposto no art. 29, VIII, j, tem como destinatário o terceiro que, de posse de obra de artes plásticas, deseja expô-la. Nesse caso, precisa de prévia e expressa autorização do autor. Caso bem distinto é aquele em que a propriedade do suporte onde a obra se materializa é alienada. Em tal caso, incide o art. 77 da LDA. Por tudo isso, mantemos nosso entendimento no sentido de que ao alienar o corpus mechanicum, o autor está implicitamente autorizando o direito de expor sua obra e, consequentemente, abrindo mão de seu direito ao ineditismo.

130 TEPEDINO Gustavo. A Função Social da Propriedade e o Meio Ambiente. Temas de Direito Civil — Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009; p. 178.