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O obstáculo maior do inciso IV não é exatamente saber se compilações de leis e de sentenças estão ou não protegidas por direitos autorais. Como se sabe, as coletâneas podem ser protegidas ainda que os dados que a compõem não o sejam. O elemento verdadeiramente complicador é definir que direitos existem sobre uma sentença, se é que direitos há. Os atos legislativos são fruto, na maioria das vezes, de atividade colaborativa. Sua autoria é diluída e sua elaboração se pauta muito mais por parâmetros técnicos (ou pelo menos assim deveria ser) do que estéticos. Depois de publicados, os atos legislativos contam com utilidade bastante reduzida para além do debate acerca de sua interpretação e aplicação. No máximo, podem figurar em compêndios legais. Em tudo se distinguem

das sentenças e acórdãos.

A autoria das sentenças é perfeitamente delimitada. Além disso, as sentenças contam, certamente mais do que os atos legislativos, com preocupação estética. Há, inclusive, juízes que se dedicam a proferir suas decisões por meio de legítimas obras poéticas ou em prosa literária.

Ocorre que estando as decisões judiciais fora do âmbito de proteção da LDA, significa que encontram-se em domínio público não porque seu prazo de proteção expirou, mas porque jamais foram protegidas. Isso tem como consequência prática o fato de que não tendo sido jamais protegidas, não se lhes atribuiu nem direitos patrimoniais nem morais. Se não há direitos morais sobre decisões judiciais, não há direito à paternidade. Logo, seria possível um terceiro atribuir a si mesmo o texto de uma sentença judicial?

Por exemplo: imagine-se que um juiz tenha proferido sentença em determinado sentido, após muito pesquisar e bem fundamentar seu julgamento, tornando-o próximo a um parecer ou artigo científico. Pode uma das partes, em disputa judicial posterior semelhante, transcrever a sentença alheia como se se tratasse de seus próprios argumentos para a questão?

Parece-nos que não. A sentença judicial é obra intelectual, sem qualquer dúvida. Trata-se de obra intelectual não protegida por direitos autorais em razão da importância de sua publicidade e da prevalência do direito público (da sociedade) sobre o individual (do juiz, de ter sua obra protegida), mas é, ainda assim, obra intelectual.

Sendo obra intelectual, tem autor. E o autor é a pessoa física que a cria. Apesar de não recaírem sobre a sentença (ou acórdão) os direitos patrimoniais ou morais, lembramos que o direito à paternidade da obra se desdobra em duas vertentes: a de direito moral e a de direito de personalidade, na modalidade de direito ao nome. Não haveria, no caso de usurpação de autoria de sentença, violação a direito moral de autor, mas sim infração ao direito de personalidade, por desrespeito ao direito ao nome.

Outro aspecto se faz presente: o da boa-fé objetiva. Não se trata aqui, por óbvio, da boa-fé objetiva prevista no art. 422 do CCB. Fazemos alusão a um princípio geral de boa-fé que extrapola os limites do direito das obrigações e impõe a todos um dever de agir calcado na ética, na probidade, na correção.