Página:O Dominio Publico no Direito Autoral Brasileiro.pdf/250

em meio físico, ainda que na internet seja consideravelmente mais difícil dar eficácia a tais normas.

De fato, a (falta de) eficácia da LDA na internet é mais uma evidência de como os modelos de proteção construídos a partir do final do século XIX são hoje insuficientes para dar conta da revolução tecnológica que vivemos. E nem se trata apenas do acesso a obras alheias, que pode se dar contra a vontade do autor; mencionamos, aqui, o fato de a LDA proteger demais os autores, mesmo quando eles dispensam a proteção.

Se um autor, por um motivo qualquer (porque entende que é inútil proteger sua obra — que carece de importância econômica, ou porque prefere vê-la difundida para auferir lucros por meio de outras modalidades de negócio), deseja que sua obra seja simplesmente copiada pelos usuários da internet, não basta apenas não coibir a reprodução. Quem copia obra na íntegra, ainda que o autor nada faça para impedir a cópia, viola direitos autorais. Por isso, tornou-se necessário que o autor consinta expressamente com a reprodução de sua obra. Surgiram, assim, as licenças públicas gerais, sendo a licença Creative Commons uma das mais notórias. Para entendê-las, devemos tratar primeiro do conceito de commons.

A ideia do que vêm a ser commons tem sido muito debatida atualmente. Autores como Lawrence Lessig e James Boyle, em suas obras a respeito de direitos autorais[1] vêm delimitando o tema com bastante precisão.

Em síntese estreita, Lessig parte do princípio de “commons” como algo a que as pessoas de determinada comunidade têm acesso sem a necessidade de se obter qualquer permissão. Aponta o autor como exemplos de “commons”: (i) ruas públicas; (ii) praças e praias; (iii) a teoria da relatividade de Einstein e (iv) escritos em domínio público. Distingue, ainda, os dois primeiros itens dos dois últimos a partir das seguintes considerações[2]:

 

A teoria da relatividade de Einstein é diferente das ruas ou praias públicas. A teoria de Einstein é totalmente “não-rival” [no sentido de que não há rivalidade no uso por mais de uma pessoa]; as ruas e as praias não são. Se você usa a teoria da relatividade, há tanto para ser usado depois quanto havia para ser usado antes. Seu consumo, em outras palavras, não rivaliza com o meu próprio. Mas estradas e praias são muito diferentes. Se todos tentam usar as estradas ao mesmo tempo (algo que aparentemente



  1. 194,
  2. 195

194 “Cultura Livre” e “The Public Domain”, respectivamente.

195 LESSIG, Lawrence. The Future of Ideas — The Fate of the Commons in a Connected World. New York: Random House, 2001., p. 21. No original, lê-se que: “Einstein's theory of relativity is different from the streets or public beaches. Einstein's theory is fully “nonrivalrous”; the streets and beaches are not. If you use the theory of relativity, there is much left over afterward as there was before. Your consumption, in other words, does not rival my own. But roads and beaches are very different. If everyone tries to use the roads at the very same time (something that apparently happens out here in California often), then their use rivals my own. Traffic jams; public beaches crowded”. Charlotte Hess e Elinor Ostrom mencionam que quanto ao domínio público intelectual, a ideia de commons parece se relacionar a processos democráticos, liberdade de expressão e troca livre de informações. Tradução livre do autor. No original, lê-se que “[i]n relation to the intellectual public domain, the commons appears to be an idea about democratic processes, freedom of speech, and the free exchange of information”. HESS, Charlotte e OSTROM, Elinor. Ideas, Artifacts, and Facilities: Information as a Common-Pool Resource. Law and Contemporary Problems — vol. 66.