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acontece na Califórnia com frequência), então o seu uso das estradas rivaliza com o meu. Engarrafamentos, praias públicas  lotadas.

 

Na opinião de James Boyle, vivemos o que pode ser chamado de “second enclosure movement”. De acordo com o professor da Duke University[1], o “primeiro movimento de cercamento”, se pudermos assim nos expressar, teria sido a tomada de terras pertencentes a todos (common land) para, por meio de sua delimitação física, torná-la particular[2]. O segundo momento é o do cercamento da propriedade intelectual.

A reação a esse aprisionamento da propriedade intelectual tem sido o desenvolvimento de mecanismos de abertura do conteúdo, como o software livre e as licenças Creative Commons[3].

As licenças Creative Commons (assim como quaisquer outras licenças públicas gerais que tenham a mesma finalidade) resolvem um dos grandes problemas da nossa lei autoral: a impossibilidade de cópia integral da obra sem prévia e expressa autorização do autor. A depender da vontade do autor (que é quem determina a extensão da licença), outros direitos também podem ser conferidos aos usuários, como o direito de modificar a obra original e, inclusive (caso o autor assim deseje), o direito de explorar a obra economicamente.

Dessa forma, tem se tornado muito comum o licenciamento de obras por meio de licenças públicas pelas quais o autor permite a cópia integral da obra independentemente de autorização específica para cada usuário. Na verdade, a própria licença é uma forma de autorização prévia.

Em sua versão 3.0, de 2010, as licenças Creative Commons traduzidas para o português e adaptadas a nosso ordenamento jurídico contam com quatro elementos intercambiáveis que geram seis possíveis licenças. Os elementos são atribuição (obrigatório, em respeito ao direito moral de paternidade); uso não comercial (a obra somente pode ser usada sem fins comerciais); vedação à criação de obra derivada (a obra deve ser usada sem qualquer alteração); compartilhamento pela mesma licença (é permitida obra derivada, desde que esta seja objeto de licenciamento idêntico ao da obra original)[4].


  1. 196
  2. 197
  3. 198
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196 BOYLE, James. The Second Enclosure Movement and the Construction of the Public Domain. Law and Contemporary Problems — vol. 66; pp. 33 e ss. Disponível em http://www.law.duke.edu/shell/cite.pl?66+Law+&+Contemp.+Prob s.+33+(WinterSpring+2003). Acesso em 12 de setembro de 2010.

197 Conforme visto no primeiro capítulo, este movimento de privatização foi bastante criticado por Rousseau, a ponto de fazê-lo afirmar que “[o] primeiro que tendo cercado um terreno se lembrou de dizer: ‘isto é meu', e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”.

198 Para aprofundamento do tema, ver, entre outros, “Cultura Livre”, de Lawrence Lessig e “Direito, Tecnologia e Cultura”, de Ronaldo Lemos. LEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. Rio de Janeiro: ed. FGV, 2005. Já tivemos a oportunidade de escrevermos sobre o tema em BRANCO Jr., Sérgio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, disponível em http://bibliotecadigital.fgv. br/dspace/handle/10438/2832 e em LEMOS, Ronaldo e BRANCO, Sérgio. Copyleft, Software Livre e Creative Commons: A Nova Feição dos Direitos Autorais e as Obras Colaborativas. Revista de Direito Administrativo — vol.

243. São Paulo: ed. Atlas, 2006; pp. 148 e ss.

199 As licenças que resultam da combinação dos referidos elementos são: (i) atribuição; (ii) atribuição — uso não comercial;

(iii) atribuição — não a obras derivadas; (iv) atribuição — compartilhamento pela mesma licença; (v) atribuição — uso não comercial — não a obras derivadas e (vi) atribuição — uso não comercial — compartilhamento pela mesma licença.