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vontade de seu criador — deve ter um valor que ultrapasse a parte disponível do patrimônio do autor. Finalmente, herdeiros necessários deveriam contestar judicialmente o ato praticado. Teoricamente, nos parece possível, nesse caso, que seja contestada a inserção da obra no domínio público, a despeito de todas as improbabilidades.

Já com relação aos direitos morais, as dificuldades decorrem do texto do art. 27 da LDA, que estipula que “os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis”. Tal dispositivo seria suficiente para impedir que um autor dedicasse sua obra ao domínio público? Parece-nos que não. Ao fazê-lo, o que ocorre é simplesmente a antecipação dos efeitos que o domínio público acarretaria de qualquer maneira aos direitos morais do autor. Conforme já tivemos a oportunidade de esclarecer, o ingresso da obra em domínio público faz preservar, apesar da extinção dos direitos patrimoniais, os direitos morais de paternidade e de manter a integridade da obra se em virtude de sua modificação sobrevier prejuízo à obra ou à reputação ou à honra do autor. Todos os demais direitos morais sucumbem diante do domínio público, independentemente da vontade do autor ou de

seus sucessores. É essa a determinação legal.

Caso o autor coloque sua obra em domínio público ou antecipe seu ingresso no domínio público para o momento de sua morte (ainda que conte com sucessores), por exemplo, o que estará fazendo, de fato, é renunciar aos direitos patrimoniais do autor bem como antecipar os efeitos do domínio público sobre os direitos morais. Assim, quanto aos direitos morais, podemos afirmar:

 

(i) o direito de paternidade permanece intocado. Afinal, como vimos antes, trata-se não apenas de direito moral do autor, mas de verdadeiro direito de personalidade. Nesse sentido, é realmente indisponível. Há também outras questões envolvidas: ordem pública, atribuição de responsabilidade pela autoria, vedação à apropriação de obra alheia. O direito de paternidade deve inclusive ser tutelado pelo Estado após o ingresso da obra em domínio público. Não é direito que se extinga e permanece intocado ainda que o autor faça a obra ingressar em domínio público exclusivamente por sua vontade;

(ii) o direito de inédito está sendo exercido pelo autor no sentido de não manter a obra inédita. Afinal, sua decisão de colocar a obra em domínio público apenas faz sentido na medida em que a obra pode ser acessada por terceiros. Do contrário, não há razão para determinar que a obra passará a integrar o domínio público. Por isso, uma vez em domínio público, não há mais que se discutir o direito de inédito.

(iii) o direito de assegurar a integridade da obra é frontalmente atingido pelo domínio público. Afinal, esgotados os direitos patrimoniais, pode qualquer terceiro fazer da obra o uso que desejar. Ocorre que este direito moral de autor se relaciona diretamente às faculdades patrimoniais, de modo que a extinção destas justifica o fim daquele. Por outro lado, mesmo que o autor dedique sua obra ao domínio público, continua protegido nos termos do art. 24, IV, in fine, da LDA. Qualquer ato que possa prejudicar a obra ou atingir o autor em sua reputação ou honra poderá ser proibido pelo autor, por seus sucessores ou pelo Estado. Este direito moral subsiste após o autor ter feito