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sua obra ingressar em domínio público por dois motivos. Em primeiro lugar, porque trata-se aqui também de preservar direitos da personalidade. Em segundo lugar, porque mesmo após ter sido atingido o prazo legal de proteção, competirá ao Estado defender a integridade da obra. Se este direito permanece após a obra entrar em domínio público pelo decurso do prazo, então também deve permanecer se o motivo da entrada da obra em domínio público for a vontade do autor. É o mesmo princípio a reger o direito de paternidade.

(iv) o direito de modificar a obra continua existindo, ainda que em concorrência com toda a sociedade. Esse direito não é transmitido aos sucessores nos termos do art. 24,

§1º porque os sucessores, pela sucessão, não se convertem em autor e portanto não podem agir como se ele fossem, modificando a essência da obra. Mas com a obra ingressando em domínio público pela vontade do autor, este — se ainda vivo — poderá continuar a modificar a obra, garantindo o direito consubstanciado no art. 24, V, da LDA. No entanto, por se tratar de obra em domínio público, qualquer terceiro também poderá modificá-la.

(v) o direito moral de retirar a obra de circulação é o único que poderia, em um primeiro momento, apresentar óbice ao ingresso antecipado, pela vontade do autor, da obra em domínio público. Trata-se de direito personalíssimo a ser exercido pelo autor, já que não se transmite aos herdeiros. No entanto, pela redação da LDA, infere-se que esse direito é condicionado. Prevê a lei que o autor tem o direito moral de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação ou imagem.

Vê-se que trata aqui a lei da proteção, mais uma vez, a direitos de personalidade travestidos de direitos morais do autor. Pode, portanto, o autor dedicar sua obra ao domínio público. No entanto, se a circulação da obra acabar por implicar afronta a sua reputação ou imagem (seus direitos de personalidade), o direito de retirar a obra de circulação poderá ser exercido. Parece claro que a LDA não autoriza a retirada de circulação da obra por simples capricho; é necessário que haja justificativas para a decisão do autor[1].

Subsiste, contudo, a dúvida quanto aos direitos de terceiros e às obras derivadas que, à época do recolhimento da obra original dedicada ao domínio público, estejam em circulação, gozando de proteção autoral. Em tal caso, somente a hipótese concreta poderia oferecer elementos suficientes para a decisão. Por exemplo, quanto mais a obra derivada se afasta da original (por conter mais elementos próprios de criatividade de seu autor), talvez menos implique afronta à reputação ou imagem do autor. Por



  1. 229. Por isso, não apenas por se tratar de direito moral, mas especialmente por serem atingidos direitos de personalidade, o autor não pode ser dele privado. No entanto, por se tratar de direito personalíssimo, não poderão os sucessores do autor, nem tampouco o Estado, invocar tal direito para fazer retirar obra de circulação se não o fez o autor, quando vivo. No máximo, poderão os sucessores se valerem no art. 24, IV, que igualmente visa a proteger a reputação e a honra do autor quando houver modificação em sua obra

229 Em outras legislações, a razão também é relevante para se proceder à retirada da obra de circulação. A lei alemã prevê, em seu art. 42 (1), que o autor pode revogar o direito de exploração no caso de a obra não mais refletir suas convicções. A lei italiana, por sua vez, estabelece no art. 142 a necessidade de “sérias razões morais” para que a retirada da obra de circulação se efetive.