Guardei-me de insistir. No dia seguinte o superior espírito estava mais calmo. Chamou-me para um canto, teve a bondade de achar interessante o inquérito e disse:

— Vou responder. Aproveito a ocasião para acentuar umas idéias... Não prometo responder já, mas prometo ser sincero. Se for a Princesa Mangalona o livro que maior influência me tenha causado, pode ter a certeza que a ponho lá.

Quarta-feira de cinzas recebia eu esta deliciosa carta, em que a arte de escrever rivaliza com a fulgurância dos conceitos:

1. Para sua formação literária quais os autores que mais contribuíram?

Em termos restritos, não posso e nem sei responder. Fui um grande ledor de folhetos, revistas e livros de todo o gênero: as minhas admirações eram sempre efêmeras e precárias e logo substituidas ou argumentadas de outras novas; pratiquei, pois, um politeísmo tão numeroso como o antigo; não sei dizer quem era o Zeuspiter desse Olimpo, mas posso dizer quem foi o Uranus primitivo.

Meu avô (à cuja sombra cedo recolhemos minha mãe e eu, órfãos de meu pai) tinha uma biblioteca de cousas portuguesas; meu avô era da geração dos cartistas e franco-maçons, embirrava com padres e frades e como neocatólico adorava o Herculano e o Saldanha