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perguntando-nos o que pensamos da obra escripta n’esses velhos tempos, que recordamos com saudade...

Havia já então terminado o feliz reinado do senhor D. João VI. Fallecera o sympathico Garção, Tolentino o jocundo, e o sempre chorado Quita. Além do Passeio Publico, já n’essa epoca evacuado como o resto do paiz pelas tropas de Junot, encarregava-se tambem de fallar ás imaginações o sr. Octave Feuillet. O nome de Flaubert não era familiar aos folhetinistas. Ponson du Terrail trovejava no Sinai dos pequenos jornaes e das bibliothecas economicas. O sr. Jules Claretie publicava um livro intitulado... (ninguem hoje se lembra do titulo) do qual diziam commovidamente os criticos: — Eis ahi uma obra que ha de ficar!... Nós, emfim, eramos novos.

O que pensamos hoje do romance que escrevemos ha quatorze annos?... Pensamos simplesmente — louvores a Deus! — que elle é execravel; e nenhum de nós, quer como romancista, quer como critico, deseja, nem ao seu peor inimigo, um livro egual. Porque n’elle ha um pouco de tudo quanto um romancista lhe não deveria pôr e quasi tudo quanto um critico lhe deveria tirar.

Poupemol-o — para o não aggravar fazendo-o em tres volumes — á enumeração de todas as suas deformidades! Corramos um veu discreto sobre os seus mascarados de diversas alturas, sobre os seus medicos mysteriosos, sobre os seus louros capitães inglezes, sobre as suas condessas fataes, sobre os seus tigres, sobre os seus elephantes, sobre os seus hiates em que se arvoram, como pavilhões do ideal, lenços brancos de cambraia e renda, sobre os seus sinistros copos d’opio, sobre os seus cadaveres elegantes, sobre as suas toilettes romanticas, sobre os seus cavallos esporeados por cavalleiros de capas alvadias desapparecendo envoltos no pó das phantasticas aventuras pela Porcalhota fóra!...