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D’hai a dez dias o conde chegou; partimos para Portugal. Durante esse tempo que ainda estive com Rytmel em Paris, nem eu trahi as minhas duvidas, nem elle mostrou preoccupações alheias aos interesses do nosso amor.

Vim para Lisboa; recebia regularmente cartas d’elle. Estudava-as, decompunha as phrases palavra por palavra para encontrar a occulta verdade do sentimento que as creára. E terminava sempre — meu Deus! — por descobrir uma serenidade gradual no seu modo de sentir. Rytmel escrevia-me com muito espirito e com muita logica para poder pôr o coração no que escrevia. Evidentemente o seu amor passava da paixão para o raciocinio. Criticava-o: prova de que não estava dominado por elle. Tinha até já palavras engenhosas e litterarias. Valia-se da rethorica! Ao mesmo tempo a sua lettra tornava-se mais firme; já não eram aquellas linhas tortas, convulsivas e arrebatadas que palpitavam, que me envolviam... Era um infame cursivo inglez, pausado e correcto. Já me não escrevia como d’antes em papel d’acaso, em folhas de carteira, em pedaços de cartas velhas, que denotavam as inspirações do amor, os sobresaltos repentinos da paixão: escrevia-me em papel Maquet, perfumado! Pobre querido, o que o seu coração tinha de menos em amor tinha de mais o seu papel em marechala!

E eu? É talvez occasião de fallar aqui do meu sentimento. Duvidei fazel-o. Não queria collocar o meu coração sobre esta pagina como n’uma banca de anatomia. Mas pensei melhor. Eu já não sou alguem. Não existo, não tenho individualidade. Não sou uma mulher viva, com nervos, com defeitos, com pudor. Sou um caso, um acontecimento, uma especie de exemplo. Não vivo da minha respiração, nem da circulação do meu sangue: vivo abstractamente, da publicidade, dos commentarios de quem lê este jornal, das discussões que as minhas maguas provocam. Não sou uma mulher, sou um romance.