manipulações dos senhores interessados, ver-se-á mais longe a insignificante porcentagem que o sorteio abate todos os anos no rol dos escravos. Fora dessas esperanças, fugitivas todas, mas que o abolicionismo há de converter na maior parte dos casos em realidade, que resta aos escravos? Absolutamente nada.

Desapareça o abolicionismo, que é a vigilância, a simpatia, o interesse da opinião pela sorte desses infelizes; fiquem eles entregues ao destino que a lei lhes traçou, e ao poder do senhor tal qual é, e a morte continuará a ser, como é hoje, a maior das probabilidades, e a única certeza, que eles tem de sair um dia do cativeiro.

Isso quanto à duração deste: quanto à sua natureza, é hoje o que foi sempre. Nas mãos de um bom senhor, o escravo pode ter uma vida feliz, como a do animal bem tratado e predileto; nas mãos de um mau senhor, ou de uma má senhora (a crueldade das mulheres é muitas vezes mais requintada e persistente do que a dos homens) não há como escrever a vida de um desses infelizes. Se houvesse um inquérito no qual todos os escravos pudessem depor livremente, à parte os indiferentes à desgraça alheia, os cínicos e os traficantes, todos os brasileiros haviam de horrorizar-se ao ver o fundo de barbárie que existe no nosso país debaixo da camada superficial de civilização, onde quer que essa camada esteja sobreposta à propriedade do homem pelo homem.