o trovador se conservou horas largas. À vista dos homens, ele saberia esconder o seu delírio e morrer com firmeza, mas, na solidão, a saudade de uma existência cheia de amor e de esperanças, a vergonha de suplício afrontoso, e o temor da morte lhe não consentiam velar-se diante de si próprio com a máscara que a vaidade e o orgulho põem na face humana ainda nas mais terríveis situações, para que a vida seja uma contínua farsa, da qual o coração é o actor mentiroso desde o berço até ao sepulcro.
Tinha anoitecido, e o silêncio continuava profundo: a frouxa claridade das estrelas não penetrava no cárcere cujas trevas eram densas, cuja atmosfera era grossa e húmida no meio da secura de um ardente mês de Junho. Cevando-se na amargura, o senso íntimo de Egas reconcentrara na dor toda a sua energia, e este devorar-se a si próprio era ajudado pelo repouso dos sentidos externos, inúteis para o pobre preso na sua imobilidade e no silêncio e escuridão que o rodeava.
Daí a pouco, porém, uma toada longínqua de harpas, doçainas e saltérios sussurrou a espaços trazida nas lufadas do vento. Insensivelmente o trovador pôs-se a escutá-la, e sentiu correr-lhe nas veias, que pulsavam ardentes,