subir a íngreme e longa escada do privilégio, soltar em todos os degraus dela uma voz de repreensão, punir todos os crimes com uma injúria amarga, e patentear desonras de poderosos, vingando assim, muitas vezes sem o saber, males e opressões de humildes. Este homem era o truão. O truão foi uma entidade misteriosa da Idade Média. Hoje a sua significação social é desprezível e impalpável; mas então era um espelho que reflectia, cruelmente sincero, as feições hediondas da sociedade desordenada e incompleta. O bobo, que habitava nos paços dos reis e dos barões, desempenhava um terrível ministério. Era ao mesmo tempo juiz e algoz; mas julgando, sem processo, no seu foro íntimo, e pregando, não o corpo, mas o espírito do criminoso no potro imaterial do vilipêndio.
E ele ria; ria contínuo! Era rir diabólico o do bobo: porque nunca deixava de ir pulsar dolorosamente as fibras de algum coração. Os seus ditos satíricos, ao passo que suscitavam a hilaridade dos cortesãos, faziam sempre uma vítima. Como o ciclope da Odisseia, na sala de armas ou do banquete; nos balcões da praça do tavolado ou das tauromaquias; pela noite brilhante e ardente dos saraus; e até junto dos altares, ao reboar o templo com as harmonias