— Ai, o meu rico homem!
E o mugido lúgubre daquela pobre criatura abandonada antepunha à rude agitação do cortiço uma nota lamentosa e tristonha de uma vaca chamando ao longe, perdida ao cair da noite num lagar desconhecido e agreste. Mas o trabalho aquecia já de uma ponta à outra da estalagem; ria-se, cantava-se, soltava-se a língua; o formigueiro assanhava-se com as compras para o almoço; os mercadores entravam e saiam: a máquina de massas principiava a bufar. E Piedade, assentada à soleira de sua porta, paciente e ululante como um cão que espera pelo dono, maldizia a hora em que saíra da sua terra, e parecia disposta a morrer ali mesmo, naquele limiar de granito, onde ela, tantas vezes, com a cabeça encostada ao ombro do seu homem, suspirava feliz, ouvindo gemer na guitarra dele os queridos fados de além-mar.
E Jerônimo não aparecia.
Ela ergueu-se finalmente, foi lá fora ao capinzal, pôs-se a andar agitada, falando sozinha, a gesticular forte. E nos seus movimentos de desespero, quando levantava para o céu os punhos fechados, dir-se-ia que não era contra o marido que se revoltava, mas sim contra aquela amaldiçoada luz alucinadora, contra aquele sol crapuloso, que fazia ferver o sangue aos homens e metia-lhes no corpo luxúrias de bode. Parecia rebelar-se contra aquela natureza alcoviteira, que lhe roubara o seu homem para dá-lo a outra, porque a outra era gente do seu peito e ela não.
E maldizia soluçando a hora em que saíra da sua terra; essa boa terra cansada, velha como que enferma; essa boa