moribundo. João Romão objurgou-lhe que qualquer demora ali seria morte certa: o incêndio avançava. Quis ajudá-lo a carregar o fardo. Libório, por única resposta, arregaçou os beiços, mostrando as gengivas sem dentes e tentando morder a mão que o vendeiro estendia já sobre as garrafas.
Mas, lá de cima, a ponta de uma língua; de fogo varou o teto e iluminou de vermelho a miserável pocilga. Libório tentou ainda um esforço supremo, e nada pôde, começando a tremer da cabeça aos pés, a tremer, a tremer, grudando-se cada vez mais à sua trouxa, e já estrebuchava, quando o vendeiro lha arrancou das garras com violência. Também era tempo, porque, depois de insinuar a língua; o fogo mostrou a boca e escancarou afinal a goela devoradora.
O tratante fugiu de carreira, abraçado à sua presa, enquanto o velho, sem conseguir pôr-se de pé, rastreava na pista dele, dificultosamente, estrangulado de desespero senil, já sem fala, rosnando uns vagidos de morte, os olhos turvos, todo ele roxo, os dedos enriçados como as unhas de abutre ferido.
João Romão atravessou o pátio de carreira e meteu-se na sua toca para esconder o furto. Ao primeiro exame, de relance, reconheceu logo que era dinheiro em papel o que havia nas garrafas. Enterrou a trouxa na prateleira de um armário velho cheio de frascos e voltou lá fora para acompanhar o serviço dos bombeiros.
À meia-noite estava já completamente extinto o fogo e quatro sentinelas rondavam a ruína das trinta e tantas casinhas que arderam. O vendeiro só pôde voltar à trouxa das garrafas às cinco horas da manhã, quando Bertoleza, que fizera