prodígios contra o incêndio, passava pelo sono, encostada na cama, com a saia ainda encharcada de água, o corpo cheio de pequenas queimaduras. Verificou que as garrafas eram oito e estavam cheias até à boca de notas de todos os valores, que ai foram metidas, uma a uma, depois de cuidadosamente enroladas e dobradas à moda de bilhetes de rifa. Receoso, porém, de que a crioula não estivesse bem adormecida e desse pela coisa, João Romão resolveu adiar para mais tarde a contagem do dinheiro e guardou o tesouro noutro lugar mais seguro.
No dia seguinte a polícia averiguou os destroços do incêndio e mandou proceder logo ao desentulho, para retirar os cadáveres que houvesse.
Rita desaparecera da estalagem durante a confusão da noite; Piedade caíra de cama, com um febrão de quarenta graus; a Machona tinha uma orelha rachada e um pé torcido; a das Dores a cabeça partida; o Bruno levara uma navalhada na coxa; dois trabalhadores da pedreira estavam gravemente feridos; um italiano perdera dois dentes da frente, e uma filhinha da Augusta Carne-Mole morrera esmagada pelo povo. E todos, todos se queixavam de danos recebidos e revoltaram-se contra os rigores da sorte. O dia passou-se inteiro na computação dos prejuízos e a dar-se balanço no que se salvara do incêndio. Sentia-se um fartum aborrecido de estorrilho e cinza molhada. Um duro silêncio de desconsolo embrutecia aquela pobre gente. Vultos sombrios, de mãos cruzadas atrás, permaneciam horas esquecidas, a olhar imóveis os esqueletos carbonizados e ainda úmidos das casinhas queimadas. Os cadáveres da Bruxa e do Libório