A conclusão ultima a que chego é que O Livro de Esopo, com quanto effectivamente se relacione de modo íntimo com o Fabulario do Anonymus de Nevelet (Walter), não provém directamente d’este, mesmo com alterações, mas provém de algum texto em prosa, latino ou romanico, derivado do Fabulario gualteriano.
Póde muito bem o nosso texto ser traducção modificada de um dos commentarios latinos medievaes que acompanhavam com frequencia os versos do Anonymo de Nevelet, e aos quaes me referi a cima, p. 145. Hervieux cita, por exemplo, manuscritos commentados existentes em bibliothecas de Paris, Marselha, Tréveros, Munich, Ferrara, dos secc. XV e XIV[1].
Da natureza d’estes e semelhantes commentarios, que eram destinados ás aulas, dará ideia o Esopus moralisatus, Antuerpia 1504, de que encontrei um exemplar na Bibliotheca Nacional de Lisboa[2]. Existem notaveis parallelismos entre esse Esopus e o nosso, quanto ao formulario. O Esupus começa de ordinario assim: hic auctor ponit documentum, hic auctor ponit aliam fabulam cuius documentum est, hic ponit documentum, hic ponitur una hystoria; como o leitor se lembrará, pois ha pouco lhe chamei a attenção para isso, O Livro de Esopo começa tambem frequentemente: [p]om este poeta enxemplo. A não ser, porém, nisto, e num ou noutro caso avulso, não vae mais longe a concordancia entre o texto latino e o português. Como caso avulso citarei a moralidade da nossa
- ↑ Fabulistes, I, 504-598. — Os mss. latinos do Anonymus que Hervieux, I, 583-585, cita como existentes em Hespanha são desprovidos de commentario (refiro-me aqui á Hespanha, porque, attentas as relações litterarias que em tempos antigos houve entre esse país e o nosso, podia o leitor pensar nelle); talvez porém existam outros manuscritos que escapassem a Hervieux.
- ↑ O titulo completo é: Esopus mora- || lisatus cũ bono || cõmento Iterũ textus de nouo emendatus cum || glosa interliniali. ||. No frontispicio ha uma gravura que representa o interior de um edificio em que está Christo, de pé vestido de tunica, nimbado, com o cabello caido para os lados, um globo crucifero na mão esquerda, e a direita erguida com os dedos dispostos em acto de abençoar. Tem ao todo 76 paginas não numeradas. No fim lê-se: ¶ Esopus fabulator preclarissimus cum suis mo- || ralisationibus ad nostri instructionẽ pulcherrime || appositis. Impressus Antwerpie per me Henricũ || eckert. Anno dñi. M. ccccc. iiij. In profesto sancte || Katherine virginis. ||. Altura das paginas 0m,195; largura 0m,148. A uma breve introducção sobre Esopo, sobre Romulo e o rex anglie Afferus segue-se o prologo do Anonymo de Nevelet e as fabulas em numero de sessenta, sendo a ultima a do duello do soldado com o camponio. Os versos estão intermeados de glossas. A cada poesia succede o commento em prosa.