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O PRECURSOR DO ABOLICIONISMO NO BRASIL
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por elas, a insurgir-se contra o proprio bemfeitor — magua que devia ter sido atroz para um espirito como o do inolvidavel negro, em quem a gratidão era mais que um culto e quasi uma mistica — obrigado a defender, todos os dias, com a obstinação de um crente, as conquistas de sua raça, para que a vitoria de ontem não se transformasse na derrota de amanhã; amargado e desiludido na sua ideologia política, ao verificar que os homens, no seu namoro com o poder, não recuavam em mercadejar as questões mais santas; vilipendiado, ultrajado, combatido, com a vida perenemente em perigo, Gama não teria a resistência física para prolongar esses embates. Se a cabeça, o conjunto de suas qualidades morais e inteletuais aguentava galhardamente, o organismo cederia por certo.

A sorte adversa, que o escolhera para a provação de todos os sofrimentos, negou-lhe tudo. Recusou-lhe as alegrias das conquistas que vieram de 1884 em diante. Negou-lhe até o direito de ser espetador da maravilhosa derrota de Souza Dantas, o magnifico e admiravel estadista que a monarquia não soube compreender.

Como quasi todas as nossas datas máximas, como a Independência, que em sendo de 1808, nós a festejamos em 1822, a Abolição teve o seu verdadeiro término na moção de 4 de maio de 1885, quando, num gesto insensato, a Camara dos Deputados, derrubou, pela diferença de dois votos, o gabinete de um homem de visão e de largo descortino. E a inconciência partidaria, que, em maio, se recusava a discutir as medidas conciliadoras de um

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