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Acabe o tempo ja tão triste vida,
Qu’em sua morte só tẽe seu remedio.
O deixar-me viver he mor crueza,
Pois desespéro ja d’em algum tempo
Tornar a ver aquella doce vista.

Duro Amor! se pagava só tal vista
Todo o mal que por ti me fez meu fado,
Porque quizeste que a levasse o tempo?
E se o assi quizeste, porque a vida
Me deixas para ver tanta crueza,
Quando em não vê-la só vejo o remedio?

Tu só de minha dor eras remedio,
Suave, deleitosa e bella vista.
Sem ti, que posso eu ver senão crueza?
Sem ti, qual bem me póde dar o fado,
Se não he consentir que acabe a vida?
Mas elle della me dilata o tempo.

Azas para voar vejo no tempo,
Que com voar a muitos foi remedio;
E só não vôa para a minha vida.
Para que a quero eu sem tua vista?
Para que quer tambem o triste fado
Que não acabe o tempo tal crueza?

Não poderão fazer crueza, ou tempo,
Fôrça de fado, ou falta de remedio,
Qu’essa vista m’esqueça em toda a vida.