Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/168

169

Vibrava o fero e aspero Tonante,
Tremendo os Polos ambos de assombrados.

Amor alli, mostrando-se possante,
E que por algum medo não fugia,
Mas quanto mais trabalho, mais constante;

Vendo a morte presente, em mi dizia:
Se algum’hora, Senhora, vos lembrasse,
Nada do que passei me lembraria.

Emfim, nunca houve cousa que mudasse
O firme amor intrinseco daquelle
Em quem alguma vez de siso entrasse.

Huma cousa, Senhor, por certa asselle,
Que nunca amor se affina, nem se apura,
Em quanto está presente a causa delle.

Dest’arte me chegou minha ventura
A esta desejada e longa terra,
De todo pobre honrado sepultura.

Vi quanta vaidade em nós s’encerra,
E nos proprios quão pouca; contra quem
Foi logo necessario termos guerra.

Huma Ilha que o Rei de Porcá tem,
E que o Rei da Pimenta lhe tomára,
Fomos tomar-lha, e succedeo-nos bem.

Com huma grossa armada, que juntára
O Viso-Rei, de Goa nos partimos
Com toda a gente d’armas que se achára.

E com pouco trabalho destruimos
A gente no curvo arco exercitada:
Com morte, com incendios os punimos.

Era a Ilha com ágoas alagada,
De modo que se andava em almadias: