Vibrava o fero e aspero Tonante,
Tremendo os Polos ambos de assombrados.
Amor alli, mostrando-se possante,
E que por algum medo não fugia,
Mas quanto mais trabalho, mais constante;
Vendo a morte presente, em mi dizia:
Se algum’hora, Senhora, vos lembrasse,
Nada do que passei me lembraria.
Emfim, nunca houve cousa que mudasse
O firme amor intrinseco daquelle
Em quem alguma vez de siso entrasse.
Huma cousa, Senhor, por certa asselle,
Que nunca amor se affina, nem se apura,
Em quanto está presente a causa delle.
Dest’arte me chegou minha ventura
A esta desejada e longa terra,
De todo pobre honrado sepultura.
Vi quanta vaidade em nós s’encerra,
E nos proprios quão pouca; contra quem
Foi logo necessario termos guerra.
Huma Ilha que o Rei de Porcá tem,
E que o Rei da Pimenta lhe tomára,
Fomos tomar-lha, e succedeo-nos bem.
Com huma grossa armada, que juntára
O Viso-Rei, de Goa nos partimos
Com toda a gente d’armas que se achára.
E com pouco trabalho destruimos
A gente no curvo arco exercitada:
Com morte, com incendios os punimos.
Era a Ilha com ágoas alagada,
De modo que se andava em almadias:
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