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Nellas em verso erotico e elegante
Escrevei co’huma concha o qu’em mi vistes;
Póde ser que algum peito se quebrante.

E contando de mi memorias tristes,
Os pastores do Tejo, que me ouvião,
Oução de vós as mágoas que me ouvistes.

Ellas, que ja no gesto m’entendião,
Nos meneios das ondas me mostravão
Qu’em quanto lhes pedia consentião.

Estas lembranças, que me acompanhavão
Por a tranquillidade da bonança,
Nem na tormenta triste me deixavão.

Porque chegando ao Cabo da Esperança,
Comêço da saudade que renova,
Lembrando a longa e aspera mudança;

Debaixo estando ja da estrella nova
Que no novo Hemispherio resplandece,
Dando do segundo axe certa prova;

Eis a noite com nuvens s’escurece;
Do ar subitamente foge o dia;
E todo o largo Oceano s’embravece.

A máchina do mundo parecia
Qu’em tormentas se vinha desfazendo;
Em serras todo o mar se convertia.

Lutando Boreas fero e Noto horrendo.
Sonoras tempestades levantavão,
Das naos as velas concavas rompendo.

As cordas co’o ruido assoviavão;
Os marinheiros, ja desesperados,
Com gritos para o ceo o ar coalhavão.

Os raios por Vulcano fabricados