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Que padecer na Cruz com sêde vieis?

Não era só, não, esse o verdadeiro
Poto, que vosso Filho desejava,
Morrendo por o mundo em hum madeiro;

Mas era a salvação que alli ganhava
Para o misero Adão, que alli bebia
Na fonte que do peito lhe manava.

Pois, ó pura e Santissima Maria,
Que, emfim, sentistes esta mágoa, quanto
A grave causa della o requeria;

D’essa Fonte sagrada e peito santo
M’alcançae huma gotta, com que lave
A culpa que me aggrava e pesa tanto.

Do licor salutifero e suave
M’abrangei, com que mate a sêde dura
Deste mundo tão cego, torpe e grave.

Assi, Senhora, toda criatura
Que vive e vivirá, e não conhece
A Lei de vosso Filho, a abrace pura;

O falsissimo herege, que carece
Da graça, e com damnado e falso esprito
Perturba a Santa Igreja, que florece;

O povo pertinaz no antiguo rito,
Que só o destêrro seu, que tanto dura,
Lhe diz qu’he pena igual ao seu delito;

O torpe Ismaelita, que mistura
As Leis, e com preceitos tão viciosos
Na terra estende a seita falsa e impura;

Os idolatras maos, supersticiosos,
Varios de opiniões e de costumes,
Levados de conceitos fabulosos;