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Pois muito mais a Deos, que a vós, custárão
Essas duras prisões em que jazeis.

Aquellas mãos que o mundo edificárão,
Aquelles pés que pízão as estrellas,
Com durissimos pregos s’encravárão.

Mas qual será o humano qu’as querellas
Da angustiada Virgem contemplasse,
Sem se mover a dor e mágoa dellas?

E que dos olhos seus não destillasse
Tanta cópia de lagrimas ardentes,
Que carreiras no rosto sinalasse?

Oh quem lhe víra os olhos refulgentes
Convertendo-se em fontes, e regando
Aquellas faces bellas e excellentes!

Quem a ouvíra com vozes ir tocando
As estrellas, a quem responde o ceo,
Co’os accentos dos Anjos retumbando!

Quem víra quando o puro rosto ergueo
A ver o Filho, que na Cruz pendia,
Donde a nossa saude descendeo!

Que mágoas tão chorosas que diria!
Que palavras tão miseras e tristes
Para o ceo, para a gente espalharia!

Pois que sería, Virgem, quando vistes
Com fel nojoso, e com vinagre amaro
Matar a sêde ao Filho que paristes?

Não era este o licor suave e claro,
Que para o confortar então darieis
A quem vos era, mais que a vida, charo.

Como, Virgem Senhora, não corrieis
A dar as puras tetas ao Cordeiro,