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Nisto não fallo mais, porque conheço
Que da materia se me baixa o engenho.
Mas, pois a dizer tudo m’offereço,
E dias ha que no desejo o tenho,
Sendo vós de tão alto e illustre preço,
A vida fostes pôr n’hum fraco lenho,
Por largo mar e undosa tempestade,
Só por servir á Regia Magestade.

E despois de tomar a redea dura
Na mão, do povo indomito qu’estava
Costumado a larguezas, e á soltura
Do pezado govêrno que acabava;
Quem não terá por santa e justa cura,
Qual do vosso conceito s’esperava,
A tão desenfreada enfermidade
Applicar-lhe contrária qualidade?

Não he muito, Senhor, se o moderado
Govêrno se blasphema e se desama;
Porque o povo á largueza costumado,
Á lei serena e justa, dura chama.
Pois o zelo em virtude só fundado
De salvar almas da Tartarea flama
Com a ágoa salutifera de Christo,
Poderá por ventura ser malquisto?

Quem quizesse negar tão grã verdade,
Qual he o seu effeito santo e pio;
Negue tambem ao sol a claridade,
E certifique mais que o fogo he frio.
Se o successo he contrário da vontade
Nas obras que são boas, e ha desvio;